Em uma carta de 1996 aos acionistas da Berkshire Hathaway, o megainvestidor Warren Buffett escreveu: “Se você não está disposto a ser dono de uma ação por 10 anos, nem pense em ser dono dela por 10 minutos”. Ele se referia a uma estratégia de investir a longo prazo em bolsa conhecida no mercado financeiro como buy and hold (em português: comprar e segurar) — técnica que ajudou Buffett a ser quem ele é hoje.
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O buy and hold consiste em comprar ações ao longo do tempo e “esquecê-las”, com o objetivo de acumular um patrimônio muitos anos depois. Além de almejar a valorização destes papéis, o investidor pode fazer isso com a intenção de formar uma reserva para a aposentadoria. Uma das táticas é escolher ações de empresas que pagam bons dividendos, uma espécie de “renda fixa” dentro da renda variável.
A maioria das pessoas sabe que uma ação é uma parte de uma empresa. Também não é preciso ser um “Faria Limer” para saber que, quanto maior o prazo, maiores as chances de os preços das ações valorizarem. Mas é preciso um pouco mais de tempo para descobrir o que os dividendos podem fazer pelo investidor.
A mágica dos dividendos
Dividendos são parte do lucro que as empresas distribuem a quem possui suas ações, geralmente 25%. Mas nem todas as empresas listadas em bolsa pagam estes proventos aos acionistas. Geralmente, são companhias mais sólidas e com um histórico financeiro robusto – já que é preciso ter lucros constantes para ser uma boa pagadora de dividendos.
Em tempos de crise, como durante a pandemia, as empresas podem optar por suspender o pagamento dos dividendos. Isso também acontece quando não geram um resultado satisfatório: foi o caso da Petrobras em 2014, ou se algo extraordinário acontecer, como após o acidente de Brumadinho (MG) com a Vale. Quando uma empresa reverte o lucro para prejuízo, não há sequer o que distribuir.
Como o lucro é distribuído
O professor de finanças da Faculdade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Jairo Laser Procianoy, explica que o cálculo para determinar essa “parte do lucro” é cheio de “tecnicalidades contábeis”. “Tem-se uma noção popular de que a regra obrigatória é de 25% do lucro líquido ajustado para os dividendos”.
Mas, pela Lei das S/As, a empresa é soberana para decidir a porcentagem do lucro repassada aos acionistas. Caso não informe nada, a companhia é obrigada a destinar 50% do lucro para os dividendos. A maioria das empresas brasileiras só mantêm a margem de 25% porque foi o percentual adotado pelas companhias para se manterem atrativas após a imposição da lei.
Outro detalhe: o percentual não incide sobre um lucro líquido qualquer. É sobre o lucro líquido “ajustado” do ano anterior. Aí entram as “tecnicalidades contábeis” citadas pelo professor. “Criaram-se prerrogativas para que o dinheiro não fosse distribuído para fora da companhia, sem ele de fato ter entrado na companhia”, esclarece Procianoy.
Ainda segundo ele, outra preocupação era reverter a tendência que as empresas brasileiras têm de reter os dividendos. Fica difícil se financiar, em um mercado de crédito com enorme concentração bancária, junto de um mercado de capitais pequeno. Por isso, muitas companhias evitam que o lucro escape pelos dividendos e se torne uma forma de refinanciamento.
Como investir?
Sabendo um pouco mais sobre como funciona a remuneração de quem opta por buy-and-hold, agora precisamos definir melhor a estratégia em si. Mariana Lanner de Araujo Simon, autora de dissertação de mestrado em Ciências Contábeis focada na política de dividendos, tem boas dicas para escolher o que comprar.
“O perfil de investidor que prefere buy and hold, geralmente, é daquele que busca uma renda mais passiva. Sem se preocupar com o sobe e desce da ação, e mais com a constância do lucro da empresa”, explica.
Não é que o investidor irá deixar de pensar na valorização da ação ao longo do tempo, mas o objetivo é outro. Pensar nos dividendos é pensar na solidez da empresa, na projeção de seu futuro e do seu setor. “As empresas de energia elétrica, por exemplo, são bem atrativas porque têm uma receita frequente. Pode até ter um atraso, mas as pessoas continuam pagando luz, independente de coronavírus ou não”, explica.
Segundo ela, os números mais importantes para o investidor ficar de olho são a Rentabilidade sobre Patrimônio Líquido (ROE), que mede o lucro relativo ao dinheiro investido pelos acionistas, e a concentração acionária, que segundo sua pesquisa com instituições financeiras, quanto maior, mais retorno em dividendos.
Dividend yield
Outro fator importante é o aporte investido: quanto maior o número de ações de empresas que costumam pagar dividendos um investidor tem, mais dividendos ele tende a receber. E é aqui que precisamos entender melhor o conceito de dividend yield (em português: rendimento dos dividendos). É a relação entre o lucro distribuído com o preço da ação.
Por exemplo, se a ação de uma empresa vale R$ 10 e ela decide pagar um percentual de 50% sobre o lucro de cada ação (que para o facilitar os cálculos vamos supor que foi R$ 1), o dividend yield corresponde à divisão desse percentual pelo preço. Ou seja, 50% de R$ 1, R$ 0,50, que dividido por R$ 10, resulta em um dividend yield de 5%. Significa que a cada R$ 10 comprados em ações, o retorno é de 50 centavos.
Nem sempre os maiores dividend yields significam os melhores investimentos. Por exemplo, alguns meses atrás a empresa de milhas Smiles (SMLS3) tinha o maior dividend yield da B3, mas Procianoy levanta outra hipótese para além da atração de investidores. “Conhecendo esse mercado, a dona das Smiles, a Gol, estava precisando de dinheiro”, diz. Por isso, estudar a composição acionária é importante antes de investir.
Quem opta pela estratégia de acumular patrimônio pelo buy-and-hold precisa sempre lembrar da dica do Warren Buffett e interpretar o mercado como um ator dinâmico, pensando no futuro. Um lucro menor no momento pode significar um gasto da companhia que irá garantir os próximos lucros. Um dividend yield que parece menor agora pode significar um rendimento maior mais para frente.
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