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Finanças

Cerco a títulos incentivados impacta empresas e investidor; entenda o que muda

O que está em jogo nas novas regras para futuras emissões da ‘sopa de letrinhas’ formada por LCIs, LCAs, CRIs, CRAs e LIGs.

Tida como uma das opções “queridinhas” dos investidores em renda fixa, até então isentas de Imposto de Renda (IR), as letras financeiras de crédito e os certificados de recebíveis em operações dos setores imobiliário e do agronegócio entraram, enfim, na mira do governo. Conhecidos pelas siglas LCIs, LCAs, CRIs e CRAs, além das LIGs, esses títulos passam a ter regras mais rígidas para novas emissões, fechando brechas no setor privado – e com possíveis impactos para empresas da bolsa e para o investidor.

“Havia uma suspeita de que os emissores estavam usando os recursos para outros fins que não aqueles vinculados à emissão do título.”

Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed

Como exemplo, o especialista cita o caso hipotético de uma empresa que emite um CRA. “Teoricamente, esse certificado de recebível deveria investir os recursos com a emissão em projetos do agronegócio, mas existe a suspeita de que os emissores estivessem usando os recursos da operação para outra finalidade”, explica Jorge, da Quantzed.

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Segundo ele, é difícil mensurar, inicialmente, o impacto da medida. Contudo, as mudanças anunciadas na semana passada após reunião extraordinária do Conselho Monetário Nacional (CMN) já devem afetar operações em curso de empresas como a Zamp (ZAMP3), Rede D’Or (RDOR3) e Dasa (DASA3). 

Isso porque, no mês passado, a controladora das redes Burger King e Popeyes anunciou uma emissão de R$ 500 milhões em debêntures, que serviriam de lastro para uma oferta de CRAs, para comprar carne. Já as empresas do setor de saúde estavam avaliando emissão de CRIs para pagar aluguel de imóveis de parte da sua rede de hospitais e laboratórios. 

“Agora, o CMN restringe esse tipo de emissão dizendo que os recursos precisam ser destinados, obrigatoriamente, para os devidos fins e as garantias também precisam estar vinculadas à atividade principal do negócio”, acrescenta o especialista em renda fixa. Para Jorge, essa nova regra deve alterar a dinâmica das emissões no mercado de crédito.

Entenda o que muda

Conforme decisão do colegiado do CMN – composto pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento), além do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto – houve alteração nos lastros elegíveis e nos prazos de vencimento desses papéis incentivados.

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No caso das letras de crédito do agronegócio (LCA) e imobiliário (LCI), o prazo mínimo de vencimento foi ampliado dos atuais 90 dias para 9 meses e 12 meses, respectivamente. Ademais, as medidas adotadas sobre as LCIs também passam a incidir sobre as Letras Imobiliárias Garantidas (LIG). 

Já no caso dos certificados de recebíveis do agronegócio (CRAs) e imobiliários (CRIs), passou a ser proibida as emissões com lastro em títulos da dívida de companhias abertas, como as debêntures, caso essas empresas não estejam relacionadas aos setores de referência –  o agronegócio para as CRAs e os investimentos imobiliários, nas CRIs.

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Vale destacar que a decisão do CMN não afeta o estoque desses cinco papéis que, combinados, possuem investimentos totais de R$ 1,2 trilhão. As medidas também não afetam operações de ofertas de distribuição já requeridas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O impacto, portanto, será apenas sobre as novas operações. 

Em nota, a Anbima afirma que ainda está analisando o impacto das mudanças anunciadas pelo CMN. Porém, a instituição avalia que as medidas aumentam a eficiência da política pública em relação ao agronegócio e ao setor imobiliário, contribuindo para o aprimoramento no mercado de capitais. 

E o investidor com isso?

Conforme balanço divulgado nesta segunda-feira (5) pela Associação Brasileira de Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima), os investimentos nos títulos de renda fixa que compõem essa “sopa de letrinhas” tiveram um crescimento de 50% em 2023, atingindo R$ 1,1 trilhão. 

Desse total, o patrimônio investido em LCAs e LCIs cresceu 36,6% e 50% no ano passado, para R$ 324 bilhões e R$ 420 bilhões, respectivamente. Já o volume investido nas LIGs subiu 25,6%, para R$ 22,2 bilhões. Em CRIs, os investimentos subiram 55,8%, a R$ 63,7 bilhões, enquanto em CRAs houve alta de 31,4%, atingindo um volume de R$ 94,9 bilhões.

Além de serem isentos de IR, esses papéis possuem uma espécie de colchão de segurança, por meio da cobertura do Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Diante de tantas vantagens fica a dúvida sobre como as mudanças anunciadas pelo CMN afetam o investidor desse tipo de categoria. 

“Em um primeiro momento, não vejo alteração para o investidor, que vai continuar tendo acesso a esses produtos”.

Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed

No entanto, o especialista da casa de análise voltada à educação para investidores observa que a oferta de títulos incentivados pode diminuir, em razão das restrições para estruturação das emissões, impactando no preço do papel. 

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Ainda assim, ele destaca que é preciso observar como o mercado vai se consolidar com essa nova regra, uma vez que afeta apenas as novas operações. Apesar dessa incerteza, o profissional avalia que a mudança dá mais segurança ao investidor. 

“O lado positivo dessa história é que o investidor passa a ter um título com as garantias adequadas e uma maior certeza de que os emissores vão fazer o aporte das garantias da maneira apropriada, destinando os recursos para os fins aos quais eles foram emitidos”.

Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed

Na mesma linha, o cofundador da L4 Capital, Felipe Pontes, afirma que as mudanças significam uma transição para títulos mais alinhados com os objetivos originais de apoio ao agronegócio e ao setor imobiliário. Para ele, isso afeta a escolha de investimentos com liquidez diária usados como reserva de emergência. 

“O aumento do prazo mínimo de vencimento para LCA e LCI, por exemplo, requer uma revisão da estratégia de liquidez e diversificação de carteira dos investidores”, explica. Como exemplo, Pontes cita o caso hipotético de um investidor que poderia contar com a liquidez em 90 dias para suas LCAs.

“Agora, com o prazo mínimo de nove meses, é necessário planejar a liquidez a longo prazo, o que pode influenciar a escolha por outros instrumentos”, emenda. Por isso, o cofundador da L4 Capital afirma que com a nova regulamentação, os investidores precisarão ajustar as expectativas de liquidez e buscar alternativas de investimentos.

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