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Finanças

‘Está na hora de o Carrefour dar uma resposta à sociedade’, diz Alperowitch

Gestor da Fama Investimentos defende que os investidores demoraram a entender os efeitos da morte trágica de João Alberto e faltou uma reação mais contundente dos agentes do mercado.

Foto: Divulgação

Três dias após a morte de João Alberto Silveira Freitas (40), cidadão negro que faleceu após as agressões de dois seguranças em uma unidade do Carrefour em Porto Alegre, o mercado financeiro parece ter esboçado uma reação ao evento que gerou protestos e manifestações de repúdio. Por volta das 14h15 desta segunda-feira (23), as ações do Carrefour (CRFB3) recuavam 6,13%, a maior queda do Ibovespa no pregão.

No entanto, quando o crime veio a público na sexta-feira (20), dia da Consciência Negra, as ações do Carrefour fecharam em alta de 0,49%. Inúmeros debates surgiram a partir desta variação.

Alguns justificaram que a alta das ações era fruto do resultado excepcional da empresa para o terceiro trimestre, divulgado semanas antes, quando a rede varejista anunciou um lucro líquido ajustado de R$ 757 milhões, um salto de 73,1% em comparação com o ano anterior.

Alguns gestores que levantam a bandeira do ESG (Ambiental, Social e Governança) nos investimentos e representantes do Movimento Negro criticaram com veemência a alta nas ações da companhia. Afinal, em um cenário onde começa a abraçar a prática nas empresas, a gestão do Carrefour chegou a ser associada ao temor dos investidores: muito discurso e zero prática, o chamado ESGwashing.

Não é a primeira vez que a companhia está envolvida em episódios de violência, racismo e abuso. Desde 2009, foram pelo menos sete casos de violência dos quais a rede conseguiu dar a volta por cima sem muito esforço.

Além da morte de João Alberto, os mais recentes foram: a morte do promotor de vendas Moisés Santos (53), em agosto deste ano, em uma unidade do Carrefour Recife. Após ter um infarto, seu corpo foi coberto com guarda-sóis e caixas para que a loja continuasse funcionando.

Em maio de 2019, o Carrefour enfrentou um processo em São Paulo por controlar a ida dos funcionários ao banheiro, utilizando catracas eletrônicas. E, em 2018, o cachorro Manchinha foi brutalmente agredido por uma barra de metal e morto por um segurança do Carrefour em Osaco, região Metropolitana de São Paulo.

Mas a reação desta segunda-feira aponta que o mercado começa a pressionar e se mobilizar exigindo respostas. Entre elas, além dos protestos e quebra-quebra em algumas unidades, fornecedores como a fabricante de bebidas Ambev exigiram do Carrefour medidas “imediatas e efetivas”.

A companhia também foi excluída da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, que reúne 73 signatários tais como Petrobras, Ambev e Coca-Cola. A justificativa foi de que este não é o primeiro caso de racismo no Carrefour e a companhia sempre se eximiria de responsabilidade ao colocar a culpa nas empresas de segurança.

Com o cerco fechando, as lideranças nacionais e estrangeiras do grupo pediram desculpas e manifestaram seu compromisso com ações focadas na diversidade além da revisão do programa de treinamento de funcionários e terceiros. Mas isso é suficiente em uma companhia com 57% de colaboradores negros?

Em entrevista ao Investnews, Fabio Alperowitch, gestor da Fama Investimentos e um dos pioneiros no Brasil em adotar a pauta ESG, faz um chamado à realidade e explica porque o caso Carrefour ainda vai cobrar muito mais dos stakeholders, e também de nós clientes e investidores. Leia abaixo:

Investnews- O Carrefour é reincidente nas práticas de violência e racismo em suas instalações, onde aconteceram pelo menos 7 casos. Apesar disso, a companhia teve um lucro de R$ 757 milhões no terceiro trimestre e foi considerada por algumas casas de análise como empresa favorita do varejo. O que isso diz sobre a cultura ESG no Brasil?

Fabio Alperowitch – A gente precisa parar de pensar que tem uma cultura ESG no Brasil e se atentar ao fato de que os desafios no mercado de capitais ainda são grandes. Partimos do zero. Pouca gente fazia isso e tinha boas práticas, e de repente todo mundo achou que estávamos no novo mundo e a realidade não é essa. Não estamos no novo mundo ainda. A gente pode progressivamente caminhar para lá. Até acho que vamos chegar lá, a nova geração vai ser desafiada, mas precisamos parar de achar que essa conquista foi feita.

Investnews- Na sexta-feira (20), após a morte de João Alberto, as ações da companhia fecharam em alta de 0,49%. O que isso revela sobre o mercado?

A questão é que os investidores ainda não sabem ou não entendem como uma atitude daquelas impacta a imagem da empresa, a reputação da marca e os consumidores. Eles só entenderam no final de semana porque houve boicote nas redes sociais e protestos. Os investidores entenderam a partir dai, mas não somente com a morte de João Alberto. Para eles, os pilares ESG ainda não estão claros na hora de comprar uma ação. Eles vivem no greenwashing. As empresas adoram falar sobre isso para ganhar clientes e investidores mas não praticam nada do que falam.

Investnews – Muitas pessoas propuseram boicotar o Carrefour, deixando de comprar produtos da rede. Mas o investidor pessoa física tem esse poder de mudar as coisas, deixando de investir na companhia, por exemplo?

Claro, uma pessoa física não, mas a união de muitas pessoas físicas sem dúvida. Porém, no final das contas os investidores pessoa física não julgam ESG, não estão entendendo o que ocorre e não posso culpá-los. Agora os gestores que levantam a bandeira ESG nos seus fundos colocam o assunto no material de apresentação e não agem. Esse sim é um problema. Não vi nenhuma reação dos gestores nem do mercado. O fato de a ação ter subido 0,49% naquele dia para mim confirma isso.

Investnews – A sociedade empresarial deveria punir este tipo de atitude? Excluir o Carrefour da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial foi suficiente?

A resposta tem que vir do Carrefour. A gente viu uma resposta com maior veemência do Carrefour na França do que da sede no Brasil. Isso não faz sentido nenhum.

O próprio Carrefour Brasil na sexta-feira (20) deveria ter adotado uma série de medidas na sua comunicação com veemência em relação à morte de João Alberto e, pelo contrário, foi muito reativo. Provavelmente se o caso não tivesse toda essa repercussão na mídia talvez o Carrefour não teria agido ou teria agido com leveza. A companhia não pode ser reativa.

Eu acho que quando saiu a notícia da morte começou a cobrança da imprensa, dos gestores ESG, como foi o meu caso, cobrança nas redes sociais, da matriz na França, dos coletivos negros e da sociedade civil em muitas esferas. Os investidores foram o único grupo que não cobrou uma atitude.

O Carrefour reagiu em algum momento à soma dessas forças mas não deveria ter acontecido assim, eles precisavam ter reagido espontaneamente e não por causa de toda essa pressão em volta.

Investnews – Qual seria a saída para este caso? Não é a primeira vez que o Carrefour passa por uma situação semelhante e se limita a pedir desculpas sem traçar estratégias.

O ponto principal é a questão de responsabilidade. Se não fosse por causa dos protestos, o Carrefour não falaria sobre a investigação e nem com contundência sobre o caso. Foi a mesma reação com outros problemas que já aconteceram no grupo.

Isso é fundamental e não ocorreu. Não houve uma colaboração espontânea com as autoridades, não houve comunicação com o mercado de forma fervorosa.

O Carrefour tem múltiplos stakeholders: acionistas, funcionários, clientes e fornecedores. Os clientes reagiram com o quebra-quebra das lojas, outros se manifestaram nas redes sociais com os boicotes ao Carrefour. Houve uma reação massiva dos clientes.

Nos caso dos fornecedores, a Ambev se pronunciou contundentemente usufruindo da força que a companhia tem. É um grupo grande em um nível de igualdade com o Carrefour. Entendo que é difícil para alguns fornecedores reagir assim, mas já vimos alguns exemplos no mercado de como fazer isso.

Agora, os investidores e funcionários reagiram? Quantos investidores vimos se pronunciando a respeito do ocorrido? Nenhum. Os funcionários também não reagiram, o coletivo negro dentro do Carrefour, movimento de diversidade e inclusão também precisavam reagir. Falta essa junção.

Veja também:

Investnews – A B3 está apostando com força nos índices ESG e planeja criar um com foco no Social em 2021. O que o mercado brasileiro precisa fazer agora para combater o ESGwashing?

O Carrefour não foi o único problema de ESGwashing da semana passada. Teve o caso da Eternit (ETER3) anunciando a exploração de amianto, a aprovação do deal entre Linx (LINX3) e Stone, e também teve o conflito da Vale (VALE3), que pretende pagar R$ 33 bilhões a menos na indenização pelos danos do desastre de Brumadinho.

O mercado ainda não da uma atenção muito grande a questões ESG, não ocupam o lugar da primeira pauta de relevância dos investidores. Acho que precisamos de um diálogo aberto com o mercado.

O fato de estes problemas repercutirem na mídia talvez leve alguns investidores ou gestores a se pronunciarem para não ficarem isolados no assunto ESG. O Carrefour precisa dar uma resposta, mas não pode ser algo reativo, tem que ser algo que nasce da empresa.

Hoje o Brasil tem uma visão de ESG reducionista em que o mercado entende que a questão ambiental se resume a indicadores e a questão social ao empoderamento das mulheres. São fatores importantes, mas não os únicos. É preciso defender outras bandeiras também antes de se autodenominar ESG.

Está na hora de o Carrefour sentar, pensar e trazer uma resposta para a sociedade. Um exemplo foi o caso Nubank, que foi bastante criticado após uma declaração no Roda Viva sobre contratação de pessoas negras e, um mês depois, surgiu com propostas nítidas e fez ações maravilhosas. Critiquei o Nubank quando cometeu o erro e elogiei quando reagiu de forma positiva.

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