A valorização do dólar de quase 5% nas duas primeiras semanas de abril ganhou as manchetes. Muito se falou sobre os fatores que levaram ao ganho cambial, mas pelo menos um fator segurou a cotação e impediu uma valorização ainda maior: a entrada de dólares por parte de exportadores brasileiros.
Uma fatia dos recursos obtidos com a venda de commodities agrícolas e minerais vinha sendo mantida fora do país – em 2023, estima-se que a diferença entre os recursos que entraram no país e a receita liquida das exportações foi de cerca de US$ 30 bilhões. A recente alta da moeda americana levou os exportadores a trazer parte desses recursos para o país. Aqui, os dólares foram trocados por reais, aumentando a oferta a moeda americana e ajudando a evitar uma alta ainda maior do dólar.
Dados do Banco Central divulgados nesta quinta-feira (18) mostram que o fluxo cambial foi positivo na semana passada, entre os dias 8 e 12 de abril, por causa da entrada de US$ 2,5 bilhões pela conta comercial. No acumulado do mês, houve a entrada de US$ 5,5 bilhões por essa via, suficiente para cobrir as saídas pela conta financeira, deixando um saldo positivo de US$ 1,3 bilhão no período.
Os dados vão até sexta da semana passada e não capturam a movimentação nos primeiros dias desta semana, quando o dólar chegou a encostar nos R$ 5,30. Nesta quinta, o dólar fechou a R$ 5,2497, com queda de 0,5%, interrompendo cinco dias seguidos de alta.
Os números do BC indicam uma reversão das estatísticas referentes ao câmbio contratado, já que nos primeiros dias do mês as saídas pelo canal financeiro – por onde são realizados os investimentos estrangeiros diretos e em carteira, as remessas de lucro e o pagamento de juros, entre outras operações – superavam em US$ 684 milhões as entradas pelo canal comercial.
Profissionais das mesas de operação no mercado financeiro afirmam que a entrada de capital dos exportadores ficou ainda mais perceptível nesta semana, quando, em apenas dois pregões, o dólar subiu 2,90%, atingindo o maior nível desde março de 2023. No mês até terça-feira (16), a valorização era de 5%, representando boa parte da alta de 8,60% em 2024.
“5% no câmbio é muita coisa. O exportador recebeu dólares a R$ 5,00. Capitalizado, deixou o dinheiro lá fora. Agora entra com a moeda a R$ 5,25”, explica um operador sênior de derivativos.
Até então, havia uma desconfiança entre os exportadores, como mostra um estudo realizado pela Genial Investimentos. Ele mostra o seguinte: desde 2022 houve um descolamento entre os valores exportados e o que de fato entra no país, refletindo principalmente as incertezas políticas internas.
Para dar uma ideia: antes da pandemia, o percentual de internalização dos recursos era próximo de 100%. Vale lembrar que no mesmo período o Brasil teve um aumento relevante do superávit comercial, com o saldo positivo praticamente dobrando – passou de cerca de US$ 50 bilhões em 2020 para US$ 100 bilhões no ano passado.
Para cima ou para baixo
Conclusão: o câmbio, no ano passado, apresentou uma valorização inferior à que poderia ter ocorrido, uma vez que parte desses dólares via balança comercial não foram convertidos em reais, explica o economista-chefe da Genial, José Márcio Camargo. “O dólar terminou 2023 na casa dos R$ 4,85, mas poderia ter chegado a R$ 4,60”, diz.
Da mesma forma, a alta recente do dólar poderia ter sido ainda maior, caso os exportadores optassem por manter parte importante das receitas fora do país. “Os exportadores trouxeram muitos dólares recentemente e o câmbio tem agora um novo equilíbrio”, avalia o diretor de trading de um banco estrangeiro.
Não é possível saber exatamente quais empresas ingressaram com recursos externos no Brasil. O InvestNews tentou contato com algumas exportadoras, mas não obteve retorno.
Prudência e dinheiro no bolso
Apesar de o movimento de entrada de recursos dos exportadores ser visível nas mesas de câmbio, o noticiário das últimas semanas – em meio ao acirramento das tensões no Oriente Médio, às incertezas da política monetária nos Estados Unidos e à mudança na meta fiscal do governo – sugere que algumas empresas podem ainda optar por manter parte de seus dólares fora do Brasil.
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“Tem quem internaliza para aproveitar [o ganho cambial]. Outros seguem deixando fora temendo um cenário ainda mais estressado”, comenta um profissional da mesa de commodities de uma corretora de câmbio.
Para a Genial Investimentos, a expectativa de uma safra menor em 2024 mais a percepção de que os juros brasileiros podem permanecer em um nível restritivo podem afetar o investimento do agronegócio. Camargo finaliza: “Isso diminui os incentivos para que os exportadores agrícolas repatriem seus recursos do exterior”.
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