Os mercados da América do Sul têm um ingrediente extra na mistura dos ativos de risco desta segunda-feira (23). Enquanto os investidores globais seguem preocupados com as incertezas geopolíticas no Oriente Médio e a perspectiva de juros mais altos por mais tempo nos Estados Unidos, os latinos repercutem as eleições na Argentina.
Afinal, o resultado neste domingo (22) surpreendeu. Contrariando as primárias argentinas, realizadas em agosto, e a maior parte das pesquisas eleitorais, o candidato da situação, Sergio Massa, indicado pela coalizão peronista e pelo partido do atual governo argentino, superou o favoritismo de Javier Milei, candidato de ultradireita.
O atual ministro da Economia obteve 36,7% dos votos contra 30% do rival. Os dois irão disputar um segundo turno das eleições, em 19 de novembro. Pelas regras do sistema eleitoral argentino, para um candidato vencer em primeiro turno é preciso alcançar 45% dos votos ou 40% mais uma vantagem de 10 pontos percentuais sobre o segundo colocado.
Desde 1995, quando o sistema atual entrou em vigor, apenas uma eleição na Argentina foi decidida em segundo turno, das sete já realizadas desde então. Só esse retrospecto já realça a surpresa com a apuração das urnas na véspera. Porém, o que chamou mesmo a atenção foi a resiliência do “peronismo”, que garantiu quase 2 milhões de votos a mais.
“Numa reviravolta surpreendente, o candidato peronista Sergio Massa liderou os resultados eleitorais sobre o favorito das pesquisas, Javier Milei, estabelecendo o palco para um segundo turno polarizado em 19 de novembro”, comenta Eirini Tsekeridou, analista de renda fixa do Julius Baer
Dólar blue para cima; Merval para baixo
Com isso, a expectativa é de que os ativos argentinos permaneçam voláteis. O chamado dólar blue era negociado mais de 150% acima da cotação oficial do câmbio no país no primeiro dia após o pleito, cotado a 880 pesos para compra e 900 pesos para venda. Já a taxa oficial era de 348,03 pesos por dólar e 368,03 pesos por dólar, respectivamente.
Já o índice S&P Merval, da Bolsa de Buenos Aires, abriu em forte queda, caindo quase 10% logo nos primeiros minutos do pregão, retrocedendo à marca dos 700 mil pontos. O recuo perdeu força no começo da tarde, mas o índice segue em terreno negativo. Na semana passada, na última terça-feira (17), o índice atingiu a máxima histórica, aos 830.203 pontos. Confira o desempenho no último mês
Disputa acirrada
De qualquer forma, especialistas avaliam que a incerteza no cenário político tende a deixar os negócios na região mais sensíveis. Além da polarização, o temor é de que o resultado da disputa eleitoral dificulte a superação das instabilidades internas e a tentativa de recuperação econômica.
“O próximo presidente da Argentina enfrentará um ambiente econômico desafiador, à medida que a inflação continua a subir, as pressões cambiais aumentam, e a situação fiscal segue frágil”
Eirini Tsekeridou, analista de renda fixa do Julius Baer
“Por isso, os ativos argentinos devem permanecer voláteis até o segundo turno, com a incerteza política pressionando”, prevê Tsekeridou.
Vale lembrar que a inflação ao consumidor na Argentina atingiu a marca de 12,7% em setembro em relação a agosto, alcançando o maior nível desde 2014, quando o país sofria com a hiperinflação. Em base anual, a taxa acumulada é de 138,3%, a máxima desde 1991. Em reação, o Banco Central do país elevou a taxa de juros para 133%.
Para a Mirae Asset, a situação econômica por lá é de “terra arrasada”, o que eleva as especulações em relação ao destino dos votos da terceira colocada. A candidata conservadora Patricia Bullrich, ex-ministra da Defesa, obteve 23,8% dos votos, ou 6,267 milhões, e o apoio dela a um dos candidatos pode ser decisivo.
Nesse sentido, é importante destacar que Patricia fez uma campanha eleitoral em oposição ao atual governo de Alberto Fernández, o que eleva a probabilidade dela e seus eleitores migrarem para o candidato de extrema-direita. “O posicionamento de apoio ou neutralidade da candidata será um importante driver para o 2º turno”, avalia a CM Capital.
Contudo, para o ING, o resultado do primeiro turno sugere que os argentinos não estão preparados para o plano polêmico de Milei. Entre as propostas, estão a dolarização da economia, o fechamento do banco central local e a redução drástica dos gastos do governo, em um esforço para quebrar o ciclo de hiperinflação e de desvalorização cambial.
“A maioria dos comentadores locais parece sugerir que o eleitorado não estava totalmente preparado para o tipo de anarcocapitalismo que o partido libertário de Milei estava preparado para introduzir”, avaliam o chefe de mercados globais, Chris Turner, e o estrategista de mercados emergentes, James WIlson, em relatório do ING.
Por tudo isso, o resultado do segundo turno na Argentina é imprevisível e parece muito em aberto, o que tende a manter os ativos argentinos sob pressão. “Até porque nenhum dos candidatos demonstra muito amor pelo sitiado peso”, comentam os especialistas do banco holandês. Pela simulação das pesquisas, a diferença entre Massa e Milei é de até 2%.
E o Brasil com isso?
Apesar da reação dos ativos argentinos ao cenário político, o efeito sobre os mercados domésticos tende a ser limitado. “O impacto das eleições na Argentina no Brasil é pequeno”, avalia o analista da Guide Investimentos, Fernando Siqueira.
Para ele, apesar de a Argentina ser um importante parceiro comercial do Brasil, nenhum dos candidatos deve rever de forma significante a política com os países vizinhos, particularmente no curto prazo.
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