A não ser que você trabalhe com importação e exportação, o dólar com o qual você deve ter contato é aquele das compras em sites gringos ou em papel, guardado no fundo da carteira com lembranças da sua última viagem ao exterior. A cotação do dólar que estamos acostumados a ver nos jornais faz pouco sentido na vida real. As pessoas só entendem o custo em comprar a moeda ao visitar uma casa de câmbio.
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O que vale no dia a dia é a cotação do dólar turismo, que meses atrás chegou a flutuar no patamar de R$ 6, quando a valorização acumulada em 2020 passou dos 40%. Nesse contexto, os cartazes nos protestos a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2015, pedindo que ela devolvesse o dólar a R$ 2 ficaram parecendo mais um pedido de socorro.
Nesta segunda-feira (11), o dólar comercial fechou no maior patamar em mais de dois meses, a R$ 5,50, acumulando ganho de 4,54% em quatro sessões. Já o dólar turismo fechou negociado em R$ 5,6730 – uma diferença de mais de R$ 0,17.
Mesmo quando o dólar cai, o dólar turismo é sempre bem mais caro do que o dólar comercial. Você sabe o por quê? E o que influencia a trajetória de valorização? A conjuntura política interna é mais ou menos determinante para sabermos quando será possível viajar para o exterior novamente? Vamos explicar do macro ao micro, para você entender como cada uma dessas coisas interfere na sua vida.
Sobe e desce do câmbio
Segundo o professor do Instituto de Economia da Unicamp e especialista em política cambial, Pedro Rossi, a explicação mais geral para entender a trajetória atual de valorização do câmbio está mais fora do país do que dentro. “É claro que a política interna gera ruídos”, reconhece.
Porém, Rossi segue com firmeza a ideia de que as variações da moeda brasileira são acompanhadas por diversos pares internacionais, como o dólar australiano, a lira turca, o rand sul-africano, o peso mexicano, também próximos das variações nos índices de commodities.
Para ele, é difícil situar essas movimentações a partir da dinâmica interna, mas ainda é preciso detalhar outra característica do real. Segundo a Reuters, o real é a moeda que mais havia perdido valor em relação ao dólar americano em 2020 até novembro, considerando uma lista de 30 países.
Os argumentos de Rossi divergem das explicações que atribuem as oscilações do câmbio exclusivamente ao risco fiscal e na incerteza política. Sua tese, explorada no livro “Taxa de câmbio e política cambial no Brasil: teoria, institucionalidade, papel da arbitragem e da especulação”, trata da estruturação do mercado de câmbio brasileiro.
Para ele, nosso mercado é alvo de operações especulativas, chamadas de “carry trade”, causando distorções tanto no períodos de alta como nos de baixa da moeda. Em sua opinião duas coisas poderiam mudar esse cenário: acabar com os juros estruturalmente altos e o reverter a assimetria do mercado futuro.
“Nosso diferencial de juros sempre foi maior estruturalmente. Agora, está bem reduzido, mas as taxas de juros mais longas ainda dão uma margem maior do que outros países”, pontua. Enquanto isso, o mercado à vista intensamente regulado perde “de três a cinco vezes para o mercado futuro em termos de transação.”
Esse conjunto atrai investimentos de curto prazo, segundo Rossi, quando o ideal seria “pensar em investimentos de longo e médio, que estão associados a investimentos produtivos”. O resultado é uma moeda colada aos ciclos internacionais e as commodities influenciando uma economia exportadora, mas cada vez menos diversificada.
Por que o dólar turismo é mais caro?
Chegamos ao seu bolso. O dólar deixa de ser apenas um “fluxo financeiro”, que de acordo com Rossi, “mal entra no país” com sua transação operada por um banco, e já precisa de uma representação física na casa de câmbio.
O dólar manual é residual em termos de volume se comparado com o dólar indicado todo dia pela Ptax (taxa média do câmbio definida pelo Banco Central). Rossi narra a ação de um exportador quando mexe com um contrato: ele vai ao Banco do Brasil e fala: “Fechei US$ 1 milhão”, e o banco dá o dinheiro para ele em reais, recebendo os dólares em alguma filial estrangeira. O exemplo tenta ressaltar que nenhum dólar chegou realmente a entrar no Brasil, é apenas uma operação contábil que aumenta o ativo do banco no exterior.
Com essa diferença entre o dólar turismo e o comercial, é possível deduzir, por exemplo, que haverá custos em um que não aparecem no outro. “Custo de segurança da casa de câmbio, custos trabalhistas, aluguel, e outros”, cita Rossi. Chama atenção também a diferença entre o preço de compra e venda. Na casa de câmbio, o preço da compra de dólares deve ser menor e o de venda, maior, para que ela obtenha lucro da operação (chamado de “spread”).
Além disso, a demanda é um fator que pesa, apesar de Rossi salientar que são efeitos pontuais. No início da pandemia do coronavírus, ainda no mês de abril, quando as viagens internacionais começaram a ser canceladas e a incerteza se instaurou na economia, o dólar turismo chegou a cair R$ 1 abaixo do dólar comercial.
Mas com a demanda regularizada, as casas voltaram a cobrar diferenças que podem variar entre R$ 0,10 e R$ 0,30 por dólar. Por isso é importante pesquisar as cotações antes de comprar a moeda por aí.