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Finanças

Verde, Kinea, Legacy e SPX: o que mudou na visão das gestoras sobre o Brasil?

Desde início do mandato de Lula, mudanças macro e movimentações do governo fizeram assets mudarem o tom em suas cartas mensais.

Passados alguns meses do início do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os gestores dos principais fundos brasileiros passaram do pessimismo para “otimismo com ressalvas”. Mudanças no cenário macro e movimentações do ministério da Economia sob a tutela de Fernando Haddad – antes visto com desdém por parte expressiva do mercado –, foram o gatilho para a um novo olhar sobre Brasil e alocação dos ativos.

Para mostrar as projeções que foram feitas no início do mandato de Lula e o que de fato aconteceu, o InvestNews analisou as primeiras e as últimas cartas de 2023 das gestoras Verde Asset, Legacy Capital, Kinea e SPX. Veja abaixo os destaques:

Logos das gestoras Verde, Kinea, SPX e Legacy Capital

Verde Asset

Em carta de janeiro deste ano, a gestora do fundo Verde capitaneada por Luiz Stuhlberguer teceu críticas ao governo Lula, dados os questionamentos do novo presidente sobre a meta de inflação e ataques à independência do Banco Central. A asset destacou que isso manteria os prêmios de risco, em especial na curva de juros, muito altos, o que afetaria diretamente o valuation (valor de mercado) das ações. 

Foi mantido o mesmo tom da carta anterior (dezembro de 2022) apontando que existia muito ruído nas declarações do governo e que “períodos de silêncio brasiliense tendem a ser taticamente positivos”.

“Como tem sido praxe desde o fim da eleição, o novo governo não perde uma oportunidade de perder oportunidades”. 

trecho da carta da verde asset, de janeiro de 2023

Na época, o fundo manteve exposição na bolsa brasileira e zerou os hedges na bolsa americana, voltando para uma pequena posição comprada em ações globais.

No entanto, no decorrer do primeiro semestre, as cartas da gestora indicavam mudanças substanciais na economia doméstica, o que a fazia repensar suas posições.

Em abril, os sinais positivos em relação às receitas fiscais, com o governo obtendo vitória no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) na questão dos benefícios de ICMS na base dos impostos federais foi destaque da carta do mês. 

A gestora apontou que parecia aumentar as probabilidades de que as metas fiscais de 2023 e 2024 fossem cumpridas, apesar de permanecerem como desafios até 2026. O Congresso também foi citado como um contraponto importante em algumas decisões do governo, como no caso do saneamento e mesmo no arcabouço fiscal, em que os sinais apontam para melhoras no projeto.

Crédito: Adobe Sotck

Fatores com viés positivo fizeram a Verde desmontar posição comprada em dólar contra o real, apesar de ter reduzido exposição na bolsa brasileira. Já a posição comprada em inflação implícita no Brasil foi mantida, e zerada em dólar contra o real.

O que mudou

Já na carta de junho, a gestora apontou que continuou comprada em inflação implícita no Brasil e que tinha reduzido marginalmente a posição em ações brasileiras. “Mantivemos alocação comprada em real via opções”.  

“O real se desvalorizou de maneira importante, as taxas de juros se mantêm pressionadas, mas os políticos continuam numa espécie de metaverso brasiliense, onde o populismo é moeda corrente e a única coisa que importa é a eleição.”

trecho da carta da verde asset, de junho de 2023

Porém, em julho, a gestora divulgou os ganhos nas posições tomadas em ações brasileiras, commodities, inflação e na posição comprada em real. Já as perdas foram provenientes dos hedges em bolsa global.

O tom positivo para o mercado doméstico foi também justificado pelos “bons ventos globais”, o que fez melhorar  as condições de financiamento de várias companhias, após o choque do início do ano. 

O corte da taxa Selic para 12,25% ao ano no início de agosto foi citado em carta, apontando que o feito surpreendeu ‘marginalmente” o mercado, assim como a projeção de corte de igual magnitude para a próxima reunião marcada para setembro. 

A gestão mostrava um tom bem mais otimista quando comparado com as mensagens anteriores, apontando acreditar que a realocação de portfólio do investidor brasileiro deveria ganhar “pujança a partir de agora, ajudando a suportar os preços dos ativos locais, especialmente ações e crédito”.

Os resultados da balança comercial foram descritos como “potentes”  e que deveriam continuar ancorando o real “mesmo com menos suporte marginal do diferencial de juros”.

Atualmente, o fundo mantém pequena exposição vendida em bolsa global, e reduziu um pouco mais sua alocação em bolsa brasileira, já que algumas companhias teriam atingido preços com menor retorno daqui por diante. A posição comprada em inflação implícita no Brasil foi mantida e agora a Verde começou uma  alocação vendida no dólar contra o real.

Legacy Capital

Em janeiro deste ano, a Legacy Capital apontou em carta as notícias desfavoráveis para o país, com destaque para a discussão sobre  a mudança da meta de inflação; a utilização do balanço do BNDES para o financiamento de obras em outros países, assim como a concepção de uma moeda comum entre o Brasil e a Argentina, sendo essa última considerada como “delirante”. 

O entendimento da gestora sobre elevação da meta de inflação é que esta não contribuiria para a estabilidade macroeconômica do país que até então vinha se beneficiando da boa situação macroeconômica herdada pelo governo antecessor, assim como o ambiente global favorável a commodities e países emergentes.

Na época, a gestora citou ainda que a pauta econômica  teria se tornado desfavorável “a um ambiente de estabilidade e crescimento”. 

“Projetamos estabilidade do PIB, e inflação de 6,0% em 2023. Em 2024, projetamos inflação de 5,4%. A elevação das expectativas de inflação em curso deve se prolongar por algum tempo, e impedir que o Banco Central reduza os juros em 2023”.

LEGACY CAPITAL, EM JANEIRO DE 2023.

No entanto, no primeiro trimestre deste ano, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 1,9% em relação ao trimestre anterior, na série com ajuste sazonal, segundo o IBGE. E frente ao mesmo trimestre de 2022, o crescimento foi de 4%. 

A gestora seguiu com viés negativo para o preço dos ativos brasileiros, preferindo manter exposição majoritariamente através de travas, como a simultaneamente vendida em bolsa – “ou tomada em juros, em substituição à venda de bolsa”.

O que mudou

Passados seis meses, o fundo apresentou bom resultado com variação positiva de 1,79% em julho; 5,06% em 2023, e de 9,91% em 12 meses. “As principais contribuições para o resultado vieram das posições aplicadas em juros locais e externos, compradas em bolsas, e operações de valor relativo”.

Agora a gestora passou a projetar crescimento para o PIB de 2,2% em 2023 e aponta que o quadro de crescimento no país segue positivo, com uma  inflação mostrando melhora mais consistente e  sinais de desaceleração. 

A Legacy justificou que este contexto foi que favoreceu o Banco Central a iniciar o ciclo de queda dos juros a um ritmo de 0,50 pontos percentuais, sendo o resultado  “compatível com o ajuste monetário esperado””

Agora, a gestora projeta que a inflação encerre o ano em 4,4% e para 2024 a projeção é de 3,8%. 

A expansão da economia local ao longo do 2º trimestre do ano, melhora na dinâmica no mercado de trabalho e taxa de desemprego nos menores níveis deu o tom de otimismo para a gestora. 

“Mantemos a exposição liquidamente comprada em bolsa brasileira, mirando o bom momento da economia, o ambiente externo favorável, e os efeitos da queda dos juros nos ativos locais”. 

Trecho da carta de julho da legacy capital.

Adobe Stock

Kinea

Já a Kinea, cuja carta de janeiro trazia o título: “Brasil: o espantalho em busca de um cérebro”, apontava para os desafios que se seguiriam neste ano não apenas no ambiente doméstico. 

A gestora foi uma das que mantiveram discurso ameno sobre o Brasil naquele período, mencionando que o país mantinha uma posição de contas externas balanceadas, fiscal razoável, e ativos com preços descontados, mas que este necessitava, para a boa performance de seus ativos de risco, “de um novo governo que assumisse o compromisso com responsabilidade fiscal”. 

Entretanto, o início do processo de transição para o novo governo divergiu da visão da gestora, apontando que a situação do país não era sustentável, necessitando de  uma resposta por parte do novo governo. 

“O Brasil precisa colocar a cabeça no lugar: o espantalho precisa de um cérebro”.

trecho de carta de janeiro da kinea, de janeiro de 2023

Segundo a Kinea,o  caminho para a sustentabilidade provavelmente viria, inicialmente, de compensações tributárias, sendo a medida apenas um “paliativo”, na visão da gestora.

“O Congresso e a sociedade não irão aceitar um aumento suficiente de carga tributária para resolver o problema fiscal brasileiro. O país irá permanecer frágil e sujeito a choques e os riscos serão crescentes ao longo do tempo”.

Por isso, a posição da gestão era priorizar posições em empresas cujo crescimento dos lucros fossem menos dependentes de perspectivas macroeconômicas. 

“A combinação de país em processo de desaceleração econômica, sem âncora fiscal e com aumento de impostos, gera um ambiente adverso para a bolsa. E a principal assimetria que vemos para 2023 no país está no mercado de juros”.

Na carta, a Kinea reportou que o nível de juros reais era insustentável e que o Banco Central deveria relaxar a política monetária conforme o ano for avançando. O que de fato aconteceu.

O que mudou 

Em carta de agosto, a gestora falou sobre o processo de desinflação pelo mundo e que no Brasil, essa etapa começou bem antes.

A visão mais atualizada da gestora aponta que, pelo menos pelos próximos 6 meses, a inflação ainda deve seguir bem-comportada, “refletindo os impactos defasados das quedas das commodities e do dólar na inflação de bens industriais”. Contudo, a gestora disse que esse cenário já estaria refletido nos preços de mercado.

No entanto, a Kinea aponta não esperar que o processo de desinflação seja duradouro, e que nem aposta na convergência da inflação para a meta no médio prazo.

“Em 2025, teremos mudança de presidente de Banco Central, e a isso está associado o risco de termos um BC mais tolerante com a inflação, haja vista a defesa frequente de Lula de termos uma inflação praticada maior do que àquela meta definida pelo CMN”.

kinea, em carta de agosto de 2023.

Apesar disso, a gestora se diz “taticamente otimista” com o mercado de ações brasileiro, uma vez que o valuation em certa medida segue atrativo, “aliado à expectativa de início de ciclo de juros tem levado à alta nos preços das ações”.

Mas esse otimismo segue com pitadas de realismo para o segundo semestre, já que a Kinea acredita que como o governo tem a necessidade de econtrar mais R$ 100 bilhões para fechar as contas no ano que vem, mais medidas para aumentar a arrecadação serão feitas às custas das empresas. O fim do Juros sobre Capital Próprio (JCP) que está sendo debatido foi um exemplo citado. 

“Medidas como o fim da JCP devem ser anunciadas agora em agosto, afetando negativamente mais o setor de bebidas e bancos. Nesse sentido, estamos taticamente alocados nos setores ligados à economia doméstica, mas com proteções com posições vendidas em empresas cujo impacto da JCP no lucro é relevante”.

kinea, em carta de agosto de 2023.

A Kinea diz estar alocada em construção civil, infraestrutura, shoppings e utilidades públicas.

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Cédulas de 50 reais e de 10, 20 e 50 dólares 10/09/2015 REUTERS/Ricardo Moraes

SPX

Já a SPX, sob tutela de Rogério Xavier, fez no final de 2022 uma carta sensata, apontando que as condições econômicas do país eram favoráveis, seja devido a questão energética, seja nos hidrocarbonos (gás e petróleo), como no potencial para energia limpa e renovável.

A posição externa do Brasil foi apontada como robusta, com amplas reservas internacionais e sem grande desequilíbrio no balanço de pagamentos. 

Já a inflação foi apontada estando em declínio, além de boas perspectivas para o  agronegócio, mas o endividamento do governo foi apontado como a parte vulnerável do país. 

“As condições econômicas e o capital político deste novo governo permitem implementar políticas sensatas – que sejam de esquerda, em linha com os desejos expressos na eleição de 2022 –, visando reduzir desigualdades sociais e ingressar num longo período de crescimento moderado, porém sustentável”.

SPX, em carta no final de 2022.

No mercado de juros, a SPX disse à época estar aplicada nos países onde acreditava que o próximo grande movimento seria de queda dos juros, mantendo algumas posições tomadas em taxas nos países atrasados no ciclo de aperto monetário. 

Já em ações, a gestora apontou estar vendida em Estados Unidos e Europa, e comprada “seletivamente em mercados emergentes e com posições relativas em Brasil”. 

O que mudou

Mas no final do primeiro trimestre, a gestora citou que as empresas estavam fragilizadas e precisavam acessar o mercado com urgência para se capitalizar, somado ao fato de a indústria de fundos de ações estar sofrendo resgates sem ter fluxo de compra por parte dos investidores estrangeiros. 

“É natural que exijamos retornos bastante elevados para investir em empresas brasileiras. Dito isso, o posicionamento de investidores na bolsa local está leve e os valuations das empresas bastante descontados, logo podem oferecer oportunidades extremamente atrativas, caso o cenário macroeconômico melhore”. 

Quanto aos setores, a gestora apontou ter reduzido posição em bancos, consumo e distribuição de combustíveis, apesar de ter aumentado posições em empresas de serviços financeiros. 

O entendimento da SPX é que, mesmo que o país surpreenda positivamente a nível macroeconômico e mudanças legislativas tragam maior arrecadação, provavelmente isso significará uma piora de lucros para muitas empresas listadas em bolsa.

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