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Conheça Eufrásia Teixeira Leite, a primeira investidora brasileira na bolsa

Investidora fez negócios em 17 países e em nove moedas diferentes, em meio a um universo dominado pelos homens.

Retrato de Eufrásia, por Carolus- Duran (1887)

Na virada do século 19 para o 20, quando as mulheres brasileiras não podiam sequer votar, uma carioca se destacava pelo pioneirismo no mundo dos investimentos, negócios e da filantropia. Eufrásia Teixeira Leite foi uma das primeiras mulheres do mundo a investir na bolsa de valores.

Ela nasceu em Vassouras (RJ), em 1850, em uma rica e tradicional família de empresários cafeeiros por parte de pai e aristocrática por parte de mãe. Em 1873, porém, a jovem ficou órfã e decidiu embarcar com sua irmã em um navio para Paris. Durante a viagem, conheceu o diplomata Joaquim Nabuco, com quem teve um relacionamento amoroso pelos anos seguintes.

Na França, Eufrásia teve seu primeiro contato com o mundo dos investimentos. Passou a acompanhar o tio, que era investidor, nos pregões da bolsa de valores da capital.

Eufrásia já flertava com o mundo das finanças, pois o assunto era comum entre familiares e em jantares sociais. Além disso, a jovem contava com uma educação diferenciada. Falava inglês, francês, alemão e entendia de matemática financeira, o que possibilitou a ela adquirir cada vez mais conhecimentos sobre investimentos. Todas as manhãs, ela se debruçava sobre livros, jornais e documentos de seu pai, tornando-se cada vez mais dedicada ao assunto.

O mercado financeiro era um ambiente extremamente hostil com as mulheres. A elas, só era permitido acompanhar as negociações no segundo andar do prédio da bolsa. Para participar dos pregões, era preciso que assessores homens intermediassem as compras e vendas das ações, recolhendo e levando os bilhetes com as informações (hoje chamados de boletas) até a central dos negócios.

Nasce uma investidora

Em 1876, ela começou a investir a herança que recebeu. Naquela época, era recomendado às mulheres que investissem apenas em títulos de renda fixa e que deixassem o mercado de ações para maridos e homens da casa. Desde 1860, jornais, livros e até peças de teatro criticavam e rechaçavam mulheres que se interessavam por finanças e outros assuntos “masculinos”. Para os homens, o mercado de ações exigia rapidez e controle emocional, características que, segundo eles, não eram inerentes às mulheres.

Mas Eufrásia foi além dos moldes da sociedade da época  — e até mesmo da nossa. Em 1880, passou a operar na bolsa de Londres e em 1914, na de Nova Iorque. Chegou a fazer negócios em 17 países e em nove moedas diferentes, após aprender sobre câmbio por conta própria. No fim do século 19, Eufrásia figurava entre as 120 personalidades milionárias de Paris com mais de 1 milhão de francos franceses.

Filantropia

Em 1900, com 50 anos, ela se tornou uma espécie de investidora anjo, financiando diversas novas tecnologias da época. Incentivou o desenvolvimento industrial, comprando muitas ações de companhias europeias dos setores extrativistas, de transportes, elétricos, petroleiros, além de atuar em questões públicas e urbanas, como a ressocialização de soldados da 1ª Guerra Mundial, entre outras causas.

Acima de tudo, brasileira

No Brasil, foi acionista de grandes empresas, como a Companhia Antarctica Brasil, que hoje faz parte da Ambev (ABEV3). Além dela, comprou ações de organizações têxteis, como a Tecelagem de Seda Ítalo-Brasileira e a Companhia América Fabril & Cia.

Investiu também no setor ferroviário, adquirindo ações de empresas como a Cia. Mogiana de Estradas de Ferro e Cia. Paulista de Estradas de Ferro. Outros investimentos feitos por Eufrásia no Brasil foram em bancos, entre os quais adquiriu papéis do Banco do Brasil (BBAS3) e do Banco Mercantil do Rio de Janeiro, por exemplo.

Eufrásia morreu em 1930, no Rio de Janeiro, aos 80 anos, sem deixar filhos. Também não se casou, e por um motivo muito coerente com sua jornada: o matrimônio exigiria que seus bens fossem administrados pelo marido, algo que ela não estava disposta a permitir.

O legado de Eufrásia

Eufrásia foi tão bem-sucedida que o inventário de sua fortuna levou 22 anos para ser concluído, tamanha era a complexidade e diversidade de seus investimentos e fortuna.

Após inventário dos seus bens, descobriu-se que ela possuía o equivalente a duas toneladas de ouro. Nos dias atuais, a fortuna dela valeria bilhões de reais.

Porém, sua riqueza foi além do dinheiro. Em seu testamento, determinou que parte dos seus bens fossem direcionados para a construção de um hospital e uma escola em sua cidade natal, onde 50 crianças, independente de cor e classe, deveriam ser sustentadas e apoiadas. 

Outra parte da sua fortuna foi usada na compra títulos do Tesouro do governo brasileiro, para que rendessem e mantivessem diversas instituições ativas, entre elas, o Hospital Teixeira Leite, o Colégio Regina Coeli para moças, o Senai e o Fórum. Ela deixou ainda uma parte para as pessoas em situação de rua da época.

Mesmo à distância, Eufrásia gerenciou e cuidou da casa onde cresceu, a Casa da Hera, que hoje é um museu e patrimônio histórico da cidade. 

Em 2019, foi reconhecida pela B3 e pela ONU Mulheres como a primeira mulher investidora do país.

História que inspira

Se hoje a história de Eufrásia e de tantas outras mulheres admiráveis podem ser conhecidas, é graças à pesquisa de pessoas como a analista de conteúdo Mariana Ribeiro, que decidiu investigar por conta própria a história da investidora, viajou para Vassouras com a mãe e colheu centenas de registros da trajetória de Eufrásia — cerca de 8 mil imagens.

“Na minha vida, eu digo que tem antes e pós Eufrásia. Ao mesmo tempo que eu via tudo que tinha de Eufrásia ali, surgia em mim um desejo de justiça, de querer que as pessoas soubessem quem foi Eufrásia, que era brasileira, soubessem de tudo que ela impactou quando nem mesmo se podia votar”, lembra a pesquisadora.

A pesquisa que começou em 2011, para um TCC, não parou por aí. Mariana viajou para três países, seguindo os passos da investidora e juntando as peças do quebra-cabeça. Visitou mais de 28 museus e reuniu 34 mil documentos, que deram origem a vários projetos, incluindo o livro que serviu de base para esta matéria.

Por quatro anos, Mariana promoveu aniversários de Eufrásia em Vassouras. Em 2019, realizou uma dinâmica na Casa da Hera, onde simulou um pregão da bolsa com moedas de chocolate e papel, e assim aproximou os moradores da cidade à história de sua benfeitora.

Para Mariana, Eufrásia é símbolo de representatividade, propósito e determinação, capaz de inspirar muitas outras mulheres. “Se formos olhar os tipos de investimentos que ela fazia, Eufrásia tem uma genialidade. Com paciência, resiliência e estudo, ela foi ampliando os investimentos. Foi um processo estratégico. Me impressiona os vários momentos em que ela se revê, vai para novos caminhos e se desafia”, comenta.

A analista também é a idealizadora do #QUEROSEREUFRÁSIA, um projeto online e gratuito de treinamento sobre finanças para mulheres. Em 2019, desenvolveu uma pesquisa com a Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG), que teve o apoio institucional da ONU Mulheres. A investigação, que traz dados do comportamento financeiro feminino de 2,6 mil participantes, será publicada hoje no site da ONU Mulheres.

“Rompimentos e avanços para a mulher têm surgido lentamente. A mulher só pôde ter conta corrente no nome próprio a partir de 1962. Como país, também tivemos pouca educação financeira. Além disso, faltam falas e produtos financeiros destinados e pensados por mulheres, para a necessidade das mulheres”, enfatiza a pesquisadora.

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