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Negócios

Com perda de clientes e receitas, recuperação da Americanas fica mais nebulosa

A varejista perdeu 6,2 milhões de clientes ativos entre dezembro de 2022 e agosto deste ano.

O último fato relevante sobre o andamento da recuperação judicial da Americanas (AMER3) aponta que a varejista vem tentando sair das cordas ao negociar com os credores uma capitalização através dos acionistas de referência, além da emissão de uma nova dívida. O intuito é levantar R$ 34,5 bilhões para colocar a companhia de pé após a fraude contábil revelada em janeiro deste ano, cuja cifra auditada é de R$ 43 bilhões.

No entanto, o cenário para a recuperação ainda é nebuloso e pode se arrastar, segundo o advogado Adilson Bolico, do Instituto Empresa, que representa parte dos acionistas e debenturistas de AMER3.

Americanas (Foto: Divulgação)
Americanas (Foto: Divulgação)

Apesar das tentativas por parte da Americanas em oferecer soluções para pagamento das dívidas, perda de clientes e de receitas são dois fatores que pesam contra a companhia quase centenária que entrou no mundo digital em 1999.

O relatório divulgado pelo administrador judicial aponta que a varejista viu recuar 12,7% da sua base de clientes ativos entre dezembro do ano passado (último fechamento mensal antes do ajuizamento da recuperação judicial) até agosto deste ano. Isso representa uma perda de 6,2 milhões de clientes engajados que realizaram pelo menos uma compra ou interação com a empresa em um determinado período. 

Nesse mesmo período, a Americanas fechou 88 lojas – contabilizando hoje 1.785 unidades ativas – , além dos 1.131 desligamentos de funcionários em regime de carteira assinada (CLT). Mas em relatório, a companhia apontou que, deste número, 509 foram pedidos de demissão. Ainda assim, 34.360 funcionários se mantém em um cenário ainda incerto para a empresa.

  • Confira a as ações da Via Varejo (VIIA3)

Ovos de Páscoa na discussão

A Americanas é apontada como a maior vendedora de ovos de Páscoa do mundo por seus advogados, conforme defenderam no pedido de recuperação judicial. No entanto, o Investnews não conseguiu apurar se a afirmação é verídica.

“O eventual colapso do grupo Americanas teria certamente efeito sistêmico na cadeia de importantes setores da economia brasileira. (…) A crise do grupo pode afetar até mesmo o preço do ovo de Páscoa, pois se trata da maior varejista de ovos de Páscoa do mundo! [sic]”.

trecho de petição da rj enviada à 4ª Vara Empresarial do Rj

Mas se o preço do ovo de Páscoa foi sido afetado ou não após a descoberta de fraude nas contas da companhia, suas receitas seguem em queda – em especial, nas vendas online. Estas caíram 91% entre dezembro de 2022 e agosto de 2023, de R$ 1,24 bilhão para R$ 112,3 milhões no período. Já as vendas feitas por lojas físicas caíram mais da metade (57,5%), de R$ 3,1 bi para R$ 1,3 bi. 

O fator confiança

Segundo o advogado dos acionistas lesados pela queda acumulada de mais de 91% das ações AMER3 entre a descoberta da fraude até a terça-feira (17), é natural que os consumidores da varejista percam a confiança.

Ainda assim, Adilson Bolico, do Instituto Empresa, acredita que o atual cenário econômico não favorece o momento e que é necessário que a empresa seja transparente e cumpra com seu plano de recuperação para dissipar a desconfiança. O jurista relembrou o caso da operadora Oi (OIBR3), que, três meses depois de sair de uma recuperação, entrou em outra, dobrando sua lista de credores.

“Faço um comparativo com o caso Oi. Os investidores confiaram em documentos, pareceres e projeções que foram feitos com relação à companhia quanto a sua melhora e saída da recuperação judicial. Mas 3 meses depois ela entrou em uma nova RJ. Então as pessoas estão muito ressabiadas com relação a isso”

Adilson Bolico, advogado e ceo do Instituto Empresa

Somado ao clima de desconfiança, o advogado apontou que há de ser considerada a concorrência, já que grandes players do varejo têm ampliado a presença no país, a exemplo do argentino Mercado Livre (MELI34) ou da americana Amazon (AMZO34), o que tende a tornar mais penoso para a Americanas resgatar tanto clientes (ainda que parte deles) quanto fornecedores.

Neste último caso, a varejista apontou que o prazo para pagamento aos fornecedores diminuiu consideravelmente após janeiro de 2023. No começo do ano, o prazo que a Americanas tinha era de 124 dias. Em agosto, baixou para 7. 

Ainda assim, a companhia apontou em relatório que essa redução no tempo para pagamento foi parcialmente compensada pelas variações nos prazos de estoque de mercadorias, o que resultou em aumento no seu ciclo de caixa para 154 dias, ante 35 em setembro do ano passado. 

“Em relação ao ciclo de caixa, observa -se que a redução do prazo de fornecedores, parcialmente compensada pelas variações nos prazos de estoque e de recebimento de clientes, resultou em um aumento do ciclo de caixa, que passou de 35 dias em setembro de 2022 para 154 dias em agosto de 2023”.

americanas em trecho de relatório sobre rj

Como a Americanas quer pagar a conta?

Em comunicado, a companhia apontou que os acionistas de referência estão prontos para capitalizar a companhia no montante de R$ 12 bilhões, além de ser feita uma capitalização de dívida concursal por parte dos credores também no valor de R$12 bilhões.

A Americanas também pretende fazer uma emissão de nova dívida com dois propósitos: refinanciar parte dívidas concursais existentes no valor de R$ 1,875 bilhão e fazer uma recompra antecipada de dívida concursal com desconto no montante de R$ 8,7 bilhões.

Jorge Paulo Lemman (centro), Telles e Carlos Alberto Sucupira (esq), da 3G Capital (Crédito: Divulgação)

Segundo o Instituto Empresa, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Alberto Sicupira – o trio de acionistas de referência – têm vantagens na fila de credores caso a empresa vá à falência. 

“Eles [trio 3G] estão realizando esse aporte mas serão recompensados por isso, já que boa parte deste empréstimo vem com o privilégio de recebimento antecipado caso a empresa vá à falência. Ou seja, eles  estavam juntos no problema [enquanto houve a fraude] e agora dizem que vão salvar a empresa. Mas se a empresa falir, eles recebem antes de todos os credores…”.

Adilson Bolico, advogado e ceo do Instituto Empresa

Ainda segundo o Instituto, a movimentação de Lemann, Telles e Sicupira pode diluir a participação dos acionistas minoritários, o que traz um “clima de preocupação”, já que estes foram duramente afetados pelos últimos acontecimentos. O entendimento é que, caso não seja feito um aumento na posição na companhia por parte dos minoritários, isso pode diluir sua participação de forma massiva.  

Relembre o caso

Em junho, a varejista apontou que os documentos analisados após a denúncia de inconsistências contábeis pelo então CEO, Sergio Rial, indicavam que as demonstrações financeiras da companhia vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da Americanas. Também foi apontado que estes mesmos interlocutores fizeram esforços para ocultar do conselho de administração e do mercado em geral a real situação financeira e patrimonial da companhia.

À época, foram identificados diversos contratos de verba de propaganda cooperada e instrumentos similares (VPC) que teriam sido artificialmente criados para melhorarem os resultados operacionais como redutores de custo, sem, contudo, terem a efetiva contratação com os fornecedores. Os referidos lançamentos chegaram ao saldo de R$ 21,7 bilhões em números preliminares e não auditados. No entanto, o valor do “rombo” foi bem maior. 

22/08/2023 Ex-diretor executivo das lojas americanas, Sergio Agapito Lires Rial, durante depoimento na CPI que apura possível fraude contábil na Americanas. Foto Lula Marques/ Agência Brasil

Somando-se à s operações de “VPC” e “como forma de gerar o caixa necessário para continuidade das operações”, a antiga diretoria, segundo consta do comunicado, teria contratado uma “série de financiamentos” com instituições financeiras, sem as devidas aprovações societárias e inadequadamente contabilizadas no balanço patrimonial da companhia na conta de fornecedores.

Foi apontado na época o valor de R$ 18,4 bilhões em operações de financiamento de compras (risco sacado, forfait ou confirming) e R$ 2,2 bilhões em operações de financiamento de capital de giro.

Também foram identificados “lançamentos redutores” da conta de fornecedores oriundos de juros sobre operações financeiras, que deveriam ter transitado pelo resultado da companhia ao longo do tempo.

Este conteúdo é de cunho jornalístico e informativo e não deve ser considerado como oferta, recomendação ou orientação de compra ou venda de ativos.

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