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Negócios

Elon Musk: sonho do robotáxi afunda a Tesla no caos 

Com a montadora em meio a uma crise, o CEO decide concentrar esforços num conceito caro e incerto: táxis robôs.

Os subordinados de Elon Musk na Tesla estão acostumados ao caos. Trabalham para um CEO que define metas rigorosas e muda de direção abruptamente — os humores mais intensos dele são descritos como “modo demônio” por seu biógrafo.

Só que mesmo para os padrões da Tesla este ano tem sido mais turbulento. As ações da montadora caíram mais de 40% devido às vendas em queda, decisões de produtos confusas e mais cortes de preço. 

Sua posição outrora dominante no mercado de veículos elétricos (EV) da China está sob ataque. Uma visita ao Primeiro-Ministro da Índia, Narendra Modi, para um aguardado anúncio de investimento, foi cancelada no último minuto. Ao mesmo tempo, o conselho tenta reviver um pagamento de US$ 56 bilhões para Musk que um juiz anulou em janeiro, alegando que os diretores da Tesla agiram como “servos submissos” do CEO.

Na terça-feira, espera-se que a Tesla reporte um tombo de 40% no lucro operacional e sua primeira queda de receita em quatro anos. Musk ordenou os maiores cortes de vagas da história da empresa e apostou seu futuro em um conceito de veículo autônomo de próxima geração chamado robotáxi. Pessoas familiarizadas com suas diretrizes, que pediram para não serem identificadas, estão preocupadas com as mudanças que o CEO quer implementar.

A Tesla introduziu pela primeira vez o Autopilot em 2015. Foto: David Paul Morris/Bloomberg

A ideia de criar um serviço de táxi autônomo está circulando pela Tesla há pelo menos oito anos, mas a empresa ainda não construiu grande parte da infraestrutura necessária, nem obteve aprovação regulatória para testar tais carros em vias públicas. Por enquanto, Musk adiou os planos para um veículo de US$ 25 mil, para o mercado de massa, algo pelo qual muitos investidores da Tesla — e alguns insiders — pressionam, e acreditam ser crucial para o futuro da montadora.

Após relatos da mídia sobre a mudança estratégica, gerentes-chave, incluindo Drew Baglino, veterano de 18 anos da empresa que chefiava a engenharia de motores da Tesla, deixaram a empresa.

Musk, 52 anos, já tirou a montadora de muitos apertos no passado. Avaliada em US$ 469 bilhões, a empresa ainda vale mais de nove vezes a General Motors ou a Ford. Mas após perder quase US$ 350 bilhões em valor de mercado nos últimos quatro meses, funcionários, investidores e analistas estão confusos. E questionam a estratégia da empresa.

“O papel terá de passar por uma transição potencialmente dolorosa na base de proprietários, com investidores anteriormente focados no volume e na vantagem de custo dos EVs da Tesla desistindo da ação”, disse o analista do Deutsche Bank, Emmanuel Rosner, na semana passada, rebaixando as ações para compra e reduzindo seu preço-alvo em mais de um terço.

Demissão em massa

Musk sinalizou em sua rede social que as recentes movimentações equivalem a ativar o modo de CEO em tempo de guerra. Ele curtiu um post que dizia isso após enviar um e-mail para a empresa toda anunciando que a Tesla estava cortando mais de 10% do quadro global de funcionários, o que significaria eliminar pelo menos 14 mil empregos.

O número real de pessoas demitidas pode exceder 20 mil, segundo fontes familiarizadas com o planejamento da empresa. A justificativa de Musk, segundo uma pessoa com conhecimento direto de seus decretos, é que a Tesla deveria reduzir o quadro de funcionários em 20% porque as entregas de veículos caíram essa quantidade do quarto trimestre de 2023 para o primeiro de 2024.

Para aqueles ainda entre as fileiras da Tesla após esta reestruturação, Musk alterou radicalmente as ordens. A empresa está “indo com tudo para a autonomia”, ele declarou na semana passada. O robotáxi agora tem prioridade sobre a ideia de um carro mais barato que ele prometeu há quatro anos, tanto em relação ao estabelecimento de prazos para protótipos quanto para organizar a capacidade de produção, disse uma pessoa familiarizada com o planejamento.

Musk tem falado muito sobre autonomia por mais de uma década e convenceu os clientes a pagarem milhares de dólares por um produto que a Tesla comercializa como Full Self-Driving, ou FSD. 

O nome é um equívoco — o FSD requer supervisão constante e não torna os veículos autônomos — mas Musk tem dito repetidamente que o equipamento está prestes a corresponder ao marketing em torno dele.

Musk e seus principais engenheiros estão particularmente otimistas sobre uma grande mudança em como o FSD agora funciona. Câmeras colocadas ao redor dos carros da empresa estão capturando vídeo e usando essas imagens para ditar como o veículo dirige, em vez de depender de código de software. Ashok Elluswamy, diretor do programa Autopilot da Tesla, escreveu no mês passado que isso deveria levar a “progresso sem precedentes”.

Mas o otimismo em torno do FSD e a crença de Musk de que essa nova abordagem poderia trazer robotáxis estão ofuscando o futuro do projeto de carro de US$ 25 mil da Tesla. Pessoas com conhecimento dos planos da empresa contestaram a ideia de que o programa foi cancelado por completo. Desde o início, a Tesla tem buscado uma arquitetura de veículo de baixo custo que sustentará vários modelos diferentes, um dos quais não teria volante ou pedais.

Embora essas pessoas tenham confirmado que o robotáxi está sendo priorizado, uma descreveu o projeto de veículo de próxima geração como um esforço para obter reduções de custo de componentes e métodos de produção e, em seguida, aplicar essas inovações a iterações mais baratas do Model Y e do Model 3, os dois EVs mais populares da empresa. 

As equipes estão dando ênfase especial a essas economias de custo com o Model Y, o veículo mais vendido do mundo no ano passado (1,15 milhão de unidades, à frente do dos 1,13 milhões do Toyota Corolla).

Não está claro o quanto isso pode ser consolo para os investidores que foram assustados por relatos de que a resposta da Tesla a opções acessíveis como o Corolla foi totalmente cancelada. Muitos estão preocupados que o único novo modelo que a empresa oferecerá aos consumidores na meia década após a estreia do Model Y será o Cybertruck, uma picape cara e difícil de construir. Na semana passada, a empresa recolheu quase 3.900 caminhões vendidos para corrigir pedais de acelerador defeituosos.

Cybertruck: Musk disse que a Tesla pode precisar de 12 a 18 meses para produzí-lo em alto volume. Foto: Kyle Grillot/Bloomberg

Hype adormecido

“Os investidores, particularmente os institucionais, estão perdendo a paciência”, disse o analista da Bloomberg Intelligence, Steve Man. “O hype inicial em torno do Full Self-Driving e dos robotáxis diminuiu, e o pêndulo mudou na direção oposta.”

Reorientar a Tesla em torno de robotáxis é arriscado. Agências federais têm adotado uma abordagem permissiva para regulamentar a tecnologia, já que ela tem o potencial de tornar as estradas mais seguras. Mas o escrutínio em nível estadual e municipal tem se mostrado difícil de navegar.

O ex-governador Doug Ducey acolheu os veículos autônomos da Uber no Arizona “de braços abertos e estradas bem abertas” em 2016, apenas para proibi-los após uma colisão fatal com um pedestre em 2018. A Uber vendeu sua unidade de veículos autônomos dois anos depois.

Mais recentemente, a Cruise, da GM, passou os últimos seis meses trabalhando para voltar aos testes de robotáxis – após um de seus carros atingir e arrastar um pedestre em San Francisco. A Califórnia também está impedindo uma expansão da Waymo (braço da Alphabet) após vários incidentes, incluindo o atropelamento de um ciclista.

Mesmo assim, Musk aposta que a Tesla pode tornar os robotáxis uma realidade. Ele passou a oferecer testes gratuitos de 30 dias para promover o recurso e capturar mais imagens de câmeras.

A Tesla está construindo centros de dados em Buffalo, Nova York, e Austin, onde tem sede, para processar as imagens capturadas por seus veículos e treinar seus sistemas de direção. O centro de Buffalo está mais avançado, enquanto o de Austin enfrenta custos excessivos, segundo pessoas familiarizadas com os projetos.

A razão para os cortes de empregos da Tesla não foi espremer partes da empresa e redirecionar gastos para robotáxis, de acordo com uma pessoa com conhecimento direto de como os cortes de empregos foram elaborados. As equipes em toda a organização — incluindo aquelas que trabalham na autonomia — receberam metas iguais para redução de pessoal, disse essa pessoa.

Com base em entrevistas com mais de uma dúzia de funcionários afetados nos EUA, as demissões foram mal organizadas e executadas. E-mails que começavam com “Prezado Funcionário” foram enviados para endereços pessoais após a meia-noite.

Na fábrica de baterias da Tesla em Nevada, muitos empregados começaram sua segunda-feira com engarrafamento no portão principal: foram desviados para um estacionamento onde guardas de segurança escanearam crachás para discernir quem ainda tinha emprego e quem foi demitido. 

Uma pessoa que descobriu-se demitida dessa maneira disse que foi a experiência mais fria e humilhante de sua carreira. “Muitos descobriram que não estavam mais empregados no meio do turno, ou depois de chegarem para o que se pensava ser apenas outra segunda-feira”, escreveu Jordana Hernandez, ex-gerente de serviço na Virgínia, no LinkedIn. “Isso é o que machuca. Ter dado sangue, suor e lágrimas para uma empresa que mostrou zero humanidade.”

No sábado à noite antes do início dos cortes, Musk estava fazendo poses dramáticas no tapete vermelho e brincando sobre quem deveria interpretá-lo em uma futura cinebiografia.

Dias depois, a presidente do conselho da Tesla, Robyn Denholm, criticou um tribunal de Delaware por rejeitar o pacote de remuneração da diretoria para Musk e instou os acionistas a aprová-lo novamente. Nesse meio tempo, Musk se atentou ao fato de que a empresa havia sido mesquinha com os funcionários demitidos.

“Chegou ao meu conhecimento hoje que alguns pacotes de demissão estão incorretamente baixos”, escreveu Musk em um e-mail para os funcionários remanescentes da Tesla. “Peço desculpas por este erro. Está sendo corrigido imediatamente.”

Por Edward Ludlow e Dana Hull

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