Inflação, desemprego, contas públicas e crescimento econômico do Brasil: o que esperar da economia brasileira em 2023? O assunto é debatido no InvestNews Entrevista deste sábado (24) por André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos, e Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos.
Em 2022, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) apresentou uma trajetória de alta até o mês de junho, impactado, por exemplo, por alimentos e combustíveis, chegando aos dois dígitos no acumulado de 12 meses. Já nos meses de julho e agosto, houve deflação, influenciada, principalmente, pela retração nos preços dos combustíveis e energia.
Já o desemprego vem caindo no país, chegando a 9,1% no trimestre encerrado em julho de 2022, atingindo 9,9 milhões de pessoas. Por outro lado, a renda média real do trabalhador estava, até então, apresentando queda e a informalidade batendo recorde.
O Produto Interno Bruto (PIB) do país, por sua vez, cresceu 1% no primeiro trimestre de 2022 e avançou 1,2% no segundo trimestre. Já o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), PIB, subiu 1,17% em julho, acima do esperado pelo mercado.
A dívida bruta do governo geral para este ano deve representar 78,3% do PIB do país, segundo último o relatório de projeções da dívida pública, elaborado pelo Tesouro Nacional. Em julho, o valor da dívida pública federal era de R$ 5,840 trilhões.
A partir destes dados, Perfeito e Pasianotto analisam o cenário atual da economia do Brasil, explicam o que estes números refletem e apresentam suas perspectivas para o ano de 2023.
Os economistas destacam ainda quais podem ser os possíveis desafios econômicos para o próximo presidente da República, bem como quais devem ser os pontos de atenção que os investidores devem ter.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista:
InvestNews – André, como você avalia a trajetória da inflação do país ao longo de 2022 e quais são suas perspectivas para 2023? Você também considera que há elementos de preocupação, como citou o presidente do Banco Central? E quais seriam eles?
André Perfeito – A queda da inflação tem que ser vista com cautela, pois está muito concentrada em um grupo só, transportes, que é uma parte importante da inflação brasileira, mas outros componentes se mantêm persistentes. Vemos um nível de difusão baixo, os núcleos bastante pressionados e tudo isso em conjunto gera uma inflação que é uma boa notícia até a página 3, 4, mas tem algumas questões que precisamos ficar atentos com a dinâmica inflacionária para 2023.
InvestNews – Simone, com o cenário que a gente tem atualmente, quais características é possível esperar da inflação no ano que vem? O que pode mexer com os preços e, em meio a este cenário, como fica a taxa de juros?
Simone Pasianotto – Tivemos elementos bastante exógenos que impactaram no nível de preços. Um deles foi a guerra da Ucrânia, que se mantém forte, persistente, sem perspectivas de terminar no curto prazo. Ainda temos desdobramentos dessa inflação importada. Ainda deve ter alguns desdobramentos em 2022 e muito possível em 2023, e os impactos disso no nível de preços do Brasil estão aí, já sentimos e vamos senti-los e é difícil medir efetivamente o quanto esse fatores vão, de fato, mexer no nível de preço, mas vão.
Estamos vivendo uma experiência de nível de preço que foi impactada num curto período de tempo, por pandemia, guerra na Ucrânia, que, talvez, a gente não tenha vivido anteriormente. São fatores exógenos que estão além da política econômica brasileira.
Devemos ter uma desaceleração da inflação, mas deve ficar entre 5% e 6% para este ano, possivelmente. Como temos todas essas incertezas pairando sobre o que será de 2023, o Banco Central deve manter a taxa Selic no patamar de 13,75% por um período mais longo e eu não vejo nenhum espaço no primeiro semestre de cortar a Selic.
InvestNews – André, o que vem puxando a taxa de desemprego do país para baixo nos últimos meses? É possível dizer que o desemprego pode seguir nesta tendência de queda no ano que vem? Ou pode ter empecilho no meio do caminho?
André Perfeito – O governo do presidente Bolsonaro e do governo anterior, de Michel Temer, não agem no alarde da macroeconomia, mas no silêncio da microeconomia. Eles estão fazendo uma série de reformas de ordem microeconômica, e uma delas é a trabalhista.
Isso está gerando um fenômeno interessante. Quando se observa a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), a gente vê que o rendimento médio real das pessoas está no menor patamar desde 2012, mas que, por uma série de mudanças microeconômicas, mas também por inovações tecnológicas, falando de Uber, Ifood, que tem gerado um volume de emprego grande. Isso gera algumas coisas curiosas. Por exemplo, no último PIB, o consumo das famílias subiu por conta da queda do desemprego.
Devemos ver o mercado de trabalho ainda crescendo ao longo dos meses, mas isso não, necessariamente, a curto prazo, quer dizer uma melhora da renda real das pessoas, que continua comprometida e isso vai levar para o ano que vem a seguinte dinâmica: o mercado de trabalho deve continuar contratando mais, mas não, necessariamente, o individuo vai ter uma sensação de bem-estar tão boa a curto prazo, pensando em consumidores.
InvestNews – Simone, apesar da redução da taxa de desemprego, o rendimento médio real do trabalhador vinha numa trajetória de queda e, além disso, a informalidade bateu recorde, ficando em quase 40 milhões de pessoas. O que isso demonstra do mercado de trabalho brasileiro e qual tendência se espera para o ano que vem?
Simone Pasianotto – A qualidade do trabalho mudou, a renda do trabalhador está mais comprimida, mas não vejo a taxa de desemprego caindo daqui para frente. Minhas projeções são que tenha uma melhora sazonal em dezembro, que é esperado, mas todo o ano de 2023 eu vejo a taxa de desemprego se mantendo acima dos 9%. Ou seja, recuperamos aquele “buraco” da crise da pandemia, muito por conta dessa mudança do ambiente do mercado de trabalho, mais que isso, a pandemia foi um choque para os trabalhadores, que agora estão aceitando posições de trabalho e ganhando menos e foi o que puxou o desemprego para baixo dos dois dígitos, mas deve se manter para 2022 e 2023.
A informalidade é uma tendência mundial. Nossas relações entre capital humano e capital financeiro estabelecem novas relações no qual o trabalhador começa a gerir sua própria carreira. As amarras do contrato de trabalho legalmente estão começando a ficar mais afrouxadas e, até que a gente se adapte a esse ambiente, muito provavelmente, a informalidade vai crescer e novas relações legais desse novo ambiente mais informal vão sendo construídas ao longo do tempo.
InvestNews – André, qual avaliação você faz desses resultados do PIB em 2022 e do IBC-BR de julho? No Boletim Focus, o mercado vem melhorando suas expectativas para o PIB brasileiro. Essa também é sua projeção? No próximo ano, é possível o Brasil manter essa trajetória?
André Perfeito – A base de comparação é tão baixa que, qualquer coisa, já é coisa demais. Para se ter uma ideia, se comparar o índice dessazonalizado, pegando os números fechados de 2021, o PIB do ano passado é 2% menor que o PIB de 2014 em termos reais. Crescer agora não é nada excepcional, mas tem que ficar atento a isso.
Para o ano que vem, temos uma situação que pode ser por um lado boa e por outro ruim. Falando pelo lado bom: vai subir a Selic no Brasil? Provavelmente, não. Vai parar de querer segurar a economia via juros. E tem uma questão que acho mais delicada de ser tratada para o ano que vem: o Brasil está barato em vários aspectos. Então, é um copo vazio, meio cheio. Eu acho que um pouco mais cheio, estou querendo ficar otimista para 2023, não importa quem ganhe. Se o Brasil souber fazer, minimamente, a “lição de casa” pode, em termos relativos, se beneficiar de um cenário global mais conturbado.
InvestNews – Simone, tem alguns fatores de atenção para o PIB nos próximos trimestres?
Simone Pasianotto – Destravar a economia brasileira eu acho que é uma das maiores “bombas” que o novo governo tem que desarmar. Ela está tão fechada, só para ter uma ideia, o PIB brasileiro nos últimos 10 anos cresceu, em média, em termos anuais, 0,3%, enquanto o PIB mundial cresceu 3%. Então, a gente já vem com as rodas travadas desde a última década.
As questões são muito mais enraizadas, intrínsecas do que é a política monetária, tem questão de produtividade, tem questão tributária aí por trás, tem uma série de questões que têm travado historicamente a economia. É um grande desafio para qualquer um dos candidatos conseguir desarmar essa bomba que é o crescimento econômico. Não estou otimista para 2023. Estamos trazendo um “pacotão surpresa”, carregando o pacote de bondades do nosso ministro para 2023. Eu não sei, de fato, quais serão os efeitos práticos. O crescimento é pífio. Somos economia emergente, temos que crescer, minimamente, acima da média mundial.
InvestNews – A dívida bruta do governo geral para este ano deve representar 78,3% do PIB do país, segundo o último relatório de projeções da dívida pública, do Tesouro Nacional. Em julho, o valor da dívida pública federal era de R$ 5,840 trilhões. André, o que esses números refletem e qual desafio fica para 2023?
André Perfeito – A questão fiscal é um problema grande que a gente tem. O problema do Brasil nunca é crescer de menos. O problema do Brasil é se você solta um pouco, esse negócio cresce e começa a fazer ou problema no saldo de balanço de pagamentos, ou na área fiscal ou no câmbio. A grande aflição, que é essa “bola de ferro” que o Brasil tem o tempo todo, é deixar um pouco mais azeitada as relações de tal sorte que, se crescer, não gere essas disfuncionalidades de maneira crônica.
Esse desafio está posto, o próximo presidente vai ter que lidar com isso. A dúvida é como o próximo presidente vai mexer nessa máquina, sem gerar ruídos maiores. Esse é o dilema, o Brasil tem que encontrar um jeito de crescer sem gerar tropeços.
O problema do Brasil não é falta de dinheiro, é falta de plano. O que a discussão fiscal deixa muito escancarada é que é um puxadinho sobre o outro. Isso não é plano de nada. Infelizmente, a eleição hoje no Brasil dá pouca clareza a estes temas.
Temos reservas em dólar. Se a gente não fizer muito barulho, dado que o mundo está muito barulhento, pode ser que a gente consiga atrair capital para cá.
InvestNews – Simone, o risco fiscal pesa bastante no mercado financeiro, no olhar do investidor estrangeiro para o Brasil. Como podem ficar as perspectivas de risco fiscal agora para 2023 mediante o cenário que temos no momento?
Simone Pasianotto – Quando a gente fala de investir no Brasil, o investidor estrangeiro dissocia um pouco a politica da economia, isso é um bom sinal, mas a primeira coisa que preocupa ele é a questão fiscal, como os governos brasileiros vêm tratando a questão fiscal e tributária com uma certa displicência.
A questão fiscal não é tida como prioritária pelos governos brasileiros. Mais despesa pública, menor arrecadação, vai ter mais inflação e a gente vai continuar carregando essa “bola” do crescimento pífio. Isso afugenta investidores estrangeiros. A gente não faz ideia o quanto isso é importante para o olhar do investidor.
Ter um bom controle das contas públicas, ter a direção da “carroça” pelos menos segura é fundamental e esse é um dos pontos mais críticos. Solucionada a questão da gestão das contas públicas já é um grande esforço e vetor para começar a destravar o crescimento e afugentar as incertezas que afastam os investidores para o Brasil.
É fundamental olhar para o Orçamento, como é discutido e realizado, a questão da regra do teto de gastos, ter uma ancoragem de expectativas dos gastos públicos. Isso é fundamental para dar credibilidade da economia brasileira aos investidores tanto domésticos e, principalmente, aos investidores do exterior.
Veja também
- Americanos querem que Trump resolva imigração primeiro e desigualdade de renda na sequência
- PIB dos EUA cresce 2,8% no 3º trimestre impulsionado por gastos de defesa e consumo
- Dólar a R$ 6,00 e pressão sobre os juros: o contágio do ‘Trump trade’ para o Brasil
- O pacote de estímulos da China ainda não convenceu os economistas. A solução? Mais estímulos
- Após ataques de Israel ao Líbano, mísseis do Irã atingem território israelense