Desde que a pandemia da Covid-19 chegou ao Brasil, os planos de saúde surfaram no meio da lama. Para conseguir manter o fluxo de caixa, interromperam todo tipo de cirurgia eletiva, deixando dinheiro disponível para os custos operacionais e leitos para as internações da doença. Mas o setor não está imune. As operadoras do segmento temem que a crise econômica leve a um aumento da inadimplência e a uma redução no número de clientes.

Manter a máquina funcionando não é simples. São necessários R$ 500 milhões por dia para bancar os hospitais, clínicas, laboratórios e todos os benefícios oferecidos pelas operadoras.

ENTREVISTAS:

“Se não entram recursos, uma hora o dinheiro acaba. R$ 10 bilhões parecem muito dinheiro, mas no mundo da saúde duram apenas para 20 dias”, comenta Marcos Novais, superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), que reúne 136 operadoras no país.

Recentemente, algumas operadoras também investiram em novos leitos, ambulatórios e UTI. O resultado operacional foi positivo, segundo Novais, porque há leitos disponíveis no setor privado, caso o SUS sature.

Para André Galhardo, economista-chefe da Analise Econômica Consultoria, com a perda de emprego e renda da população, o prejuízo para os planos de saúde será inevitável. “O setor de saúde não está imune a crises. Os planos podem sofrer inadimplência ou até migração para opções mais baratas”, afirma.

De acordo com Galhardo, o único elo que sustentava o aumento de pessoas com plano de saúde foi uma melhora pontual no mercado de trabalho, geralmente CLT, que entre os benefícios incluía estes planos. Com a crise e o desemprego, a perda dos planos será uma das consequências.

Orçamento e reajuste

A Abramge explica que, para garantir a sobrevivência, muitos planos de saúde suspenderam cirurgias eletivas. Com isso, além de poupar o paciente de pegar Covid-19, deixaram mais leitos livres para quem realmente precisasse. Com menos internações e cirurgias, as despesas se enxugaram. “Parou cirurgia de coluna, que é um procedimento complicado, por exemplo. Com internações por Covid-19, temos apenas gastos com oxigênio e remédio para febre”, explica Novais.

Contudo, o incremento de outras despesas foi inevitável. Por exemplo, foi necessário contratar novos funcionários, comprar novos leitos. “Quando um funcionário estava com suspeita, precisava ser afastado 15 dias ou quando algum enfermeiro tinha uma doença crônica não podia trabalhar. Para isso era necessário contratar novas pessoas”, afirma Novais. Além desses custos, foi necessário comprar respiradores com valores três vezes maiores que o normal.

SUAS CONTAS:

Na sexta-feira (17), a Abramge e a FenaSaúde emitiram uma recomendação para que os planos de saúde suspendam temporariamente, por 90 dias, o reajuste anual das mensalidades, em função do coronavírus. A medida passaria a valer desde o dia 1º de maio até 31 de julho e incluiria planos médicos-hospitalares individuais, coletivos por adesão e de pequenas e médias empresas com até 29 pessoas cobertas.

A decisão é de caráter voluntário, deixando à escolha da operadora se tem capacidade de adiar o reajuste ou não.

Segundo a Abramge, suspender o reajuste não será fácil, devido ao fato de que as despesas tendem a crescer. Porém a prorrogação do reajuste deve aliviar famílias e microempreendedores. “Só não vamos incluir empresas de grande porte, porque elas têm um caixa maior e acesso ao crédito”, defende Novais.

Desafios

Acostumados com uma taxa de inadimplência de 2,5%, as operadoras levaram um balde de água fria quando grandes empresas começaram a pedir negociação ou parcelamento dos planos de saúde dos funcionários.

Novais explica que esta é uma situação nunca vivida antes. “Tem setores com inadimplência de até 50%. Nós não sabemos quanto a nossa inadimplência vai ser ainda”, desabafa. O dado ainda não pode ser contabilizado, pois é necessário esperar 60 dias para declarar inadimplência. Mas os pedidos de renegociação das empresas não param, segundo a Abramge.

Outro dos desafios que o setor deve enfrentar, em breve, é a retomada dos serviços eletivos. “Quando isso ocorrer, muitas cirurgias vão ser agendadas de uma só vez, aumentando a despesa financeira dos hospitais”, conclui Novais.

Olho no mercado

No Ibovespa, há quatro operadoras de planos de saúde listadas: Qualicorp (QUAL3) , Hapvida (HAPV3) , Intermédica (GNDI3) e SulAmerica (SULA4). Segundo Bruno Vidal, analista do setor saúde da Modulo Capital, o desempenho das ações de operadoras de saúde na B3 passou por duas etapas de alta volatilidade.