Os recentes anúncios feitos pelo governo federal de redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e zeragem da taxa de importação de seis alimentos da cesta básica e do etanol teriam efeitos limitados e de curto prazo, segundo economistas ouvidos pelo InvestNews. De acordo com os especialistas, as medidas não devem chegar, efetivamente, ao bolso do brasileiro, além da possibilidade de sinalizar risco fiscal para os investidores estrangeiros.
No final de fevereiro, o presidente da República, Jair Bolsonaro, editou um decreto que reduzia o IPI em 25% para a maioria dos produtos importados. Na última sexta-feira (1), a Reuters noticiou, citando fontes, que ele teria barrado a ampliação do corte de 25% para 33%, medida que estava pronta para ser publicada, por causa de questionamentos levados ao Judiciário.
Além disso, em março, o governo anunciou que zerou, até o final de 2022, a taxa de importação do etanol, que era de 18%, e dos seguinte alimentos: café torrado, margarina, queijo, macarrão, açúcar e óleo de soja. As medidas acontecem na tentativa de o governo incentivar o consumo no país, em um cenário de avanço da inflação, além de estimular a produção industrial.
Medida sem efeito?
Eduarda Korzenowski, economista-chefe da Somma Investimentos, avalia que os impactos das medidas devem ser limitados. Segundo Korzenowski, apesar da redução de impostos sobre importação de produtos da cesta básica e do etanol, os preços internacionais das commodities ainda permanecem elevados e, por isso, não deve haver grande alívio aos consumidores.
No caso do IPI, a lógica é semelhante, de acordo com a economista. Para Korzenowski, mesmo com a redução do imposto, ainda se observam diversos gargalos na indústria mundial, com escassez de matérias-primas relevantes, o que impacta o custo dos produtos.
Na mesma linha, Paulo Dutra, professor do curso de ciências econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, também considera que as medidas não surtirão o efeito desejado pelo governo.
“Essa redução de tributo pode significar redução de preço. Com essa redução, tem aumento da demanda. Tem ganho do produtor e do consumidor. Esse seria o mundo perfeito. No entanto, tem outras variáveis, como o aumento no custo de produção, que vai reduzir o excedente do produtor. Para não reduzir o excedente, o produtor aumenta a margem de lucro e, com isso, o preço do produto vai subir. Não vejo essa possibilidade de forma positiva”, explica Dutra.
Já Istvan Kasznar, professor da FGV/EBAPE, destaca que reduzir impostos é uma medida fundamental, mas o governo precisa “fazer a lição de casa”, pois a inflação continua aumentando e está havendo outros custos que estão pressionando o sistema, além de existir risco fiscal.
De olho nas eleições?
Korzenowski defende que as providências tomadas pelo governo federal em relação aos tributos são medidas populistas e que fazem parte de um esforço do governo para tentar melhorar sua avaliação.
“Por ser ano eleitoral, vemos um apetite maior, tanto do governo federal quanto dos parlamentares, por essas medidas, e não descartamos que novas decisões sejam anunciadas adiante”, ressalta a economista.
Piter Carvalho, economista da Valor Investimentos, também considera que trata-se de uma medida do governo visando as eleições presidenciais de 2022, e que podem gerar impactos negativos futuros. “São medidas de curto prazo, populistas. Depois, os problemas podem voltar muito maiores e mais difíceis de combater”, considera Carvalho.
Impactos nas contas públicas
Segundo o Ministério da Economia, a redução a zero da taxa de importação de seis alimentos da cesta básica e do etanol busca aumentar a produtividade e a competitividade da economia brasileira, mediante a redução dos custos na importação de produtos estratégicos.
Em relação ao Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) reduzido, a Receita Federal estima que o impacto desta medida será de R$ 19,6 bilhões neste ano.
Para Korzenowski, considerando as projeções de impactos e as expectativas de arrecadação para 2022, as medidas são viáveis, pois, graças às pressões inflacionárias, a arrecadação nominal deve crescer, ao mesmo tempo em que as despesas são limitadas pelo teto de gastos.
Para Carlos Magno Bittencourt, economista docente do ISAE Escola de Negócios, mesmo a redução de tributos ocasionando queda na receita do governo e afetando o caixa do país, há uma folga para que o governo possa fazer essa redução, mas que, no entanto, é preciso que ele se ajuste a este novo momento.
Em 2021, pela primeira vez desde 2013, as contas públicas registraram saldo positivo. No ano passado, o setor público consolidado, que é formado por União, estados e municípios, apresentou superávit primário de R$ 64,7 bilhões, ou seja, as arrecadações foram maiores do que as despesas em quase R$ 65 bilhões.
Os ganhos de arrecadação do governo no ano passado foram impulsionados pelo salto na inflação, já que diversos tributos são calculados sobre o preço dos produtos, que encareceram.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país, fechou 2021 com alta cumulada de 10,06%, acima do centro da meta de 3,75% definida pelo Conselho Monetário Nacional para o ano.
Eduarda Korzenowski, economista-chefe da Somma Investimentos, explica que, ao longo de 2021, foi observada a retomada da atividade econômica junto com a aceleração da inflação e que, como consequência, foram vistos aumentos históricos na arrecadação.
“A alta de inflação impulsiona as receitas nominais, ao mesmo tempo em que as despesas sujeitas ao teto de gastos ficaram limitadas a um crescimento baixo. Assim, os dois fatores em conjunto fizeram com que as contas do governo surpreendessem positivamente, vindo com resultados melhores do que o esperado pelo mercado”, diz Korzenowski.
Carvalho destaca, no entanto, que este cenário não deve se repetir em 2022, dado que a economia brasileira desacelera. Segundo o economista, neste ano, o que pode colaborar é a alta das commodities, mas que, mesmo assim, os resultados do governo devem ser menores do que os de 2021.
“Mais do que arrecadar, o governo precisa saber usar esse capital para fazer o Brasil crescer. Quando a gente olha o fiscal, a ‘foto’ é bonita, mas, se pensar que é um filme, o final deve ser triste, dado que o governo não faz os investimentos corretos, não gasta corretamente. Vemos gastos com fundo partidário, orçamento secreto e poucas coisas visando fazer o Brasil crescer em infraestrutura e gerar emprego”, defende o economista da Valor Investimentos.
Samuel Cunha, economista e sócio da H3 Invest, explica que a diminuição da arrecadação terá impacto negativo nas contas do governo na ponta final e que isso não está sendo pensado agora. Segundo ele, reduzir impostos sem que mudanças sejam feitas, não vai ajudar as contas públicas.
“Vamos tapar um buraco ali, que será aberto lá na frente. Sem reforma, esse dinheiro vai ter que ser retirado de outro lugar. No fim do dia, isso não vai ter um resultado positivo relevante, não tende a ajudar as contas do governo”, considera Cunha.
E a economia?
Após uma queda de 3,9% em 2020 e crescimento de mais de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2021, para 2022, as expectativas são de baixo crescimento econômico do país.
Segundo o último boletim Focus, divulgado pelo Banco Central no dia 28 de março, a mediana das projeções do mercado para o crescimento da economia brasileira em 2022 está em 0,50%.
Carlos Magno Bittencourt, economista docente do ISAE Escola de Negócios, explica que, com a redução de impostos conseguindo ocasionar maior disponibilidade no bolso do consumidor e do empresário, isso faz com que o consumidor adquira mais produtos, gerando riqueza na economia, permitindo que o empresário faça novos investimentos, a fim de atender a demanda por parte do consumidor.
Para Istvan Kasznar, professor da FGV/EBAPE, se as medidas de redução de impostos forem sustentáveis, e sustentadas de médio para o longo prazo, são bem-vindas, essenciais para criar custos menores e corretas para direcionarem o Brasil para uma política de preços interno menor, com inflação mais baixa, com maior movimento de bens para toda a população e, sobretudo, ir na direção da rota que permite melhores exportações.
“Reduzir imposto, reformar administrativamente o país, reformar toda a Previdência, capacitar produtivamente o estado, criar condições de gerar produtividade público e privada, aumentar as parceria e muito mais é a direção certa do correto desenvolvimento”, aponta o professor da FGV/EBAPE.
Risco para o investidor estrangeiro?
Apesar do cenário econômico do Brasil com aceleração da inflação, perspectivas de baixo crescimento da economia, com um ano marcado por eleições, além dos impactos trazidos pela guerra na Ucrânia, ele não tem sido um empecilho para investidores estrangeiros aportarem no país.
Segundo a B3 (B3SA3), o saldo do fluxo de capital estrangeiro na bolsa até 30 de março foi de R$ 64,1 bilhões, após revisão dos dados para baixo. Ainda assim, o número continuou positivo. Este cenário foi impulsionado pelo fato de o mercado brasileiro estar fortemente ligado às commodities, com ações da bolsa de valores descontadas, além dos juros elevados no país.
Carlos Magno Bittencourt, economista docente do ISAE Escola de Negócios, destaca que existem dois tipos de fluxo de recurso estrangeiro para o Brasil: o primeiro é o capital especulativo, em busca de uma taxa de juros elevada. E o segundo está relacionado aos novos investimentos, por meio de capital de investimento direto.
“Isso é bem-vindo. Vem para cá, se instala, constrói, contrata máquinas e equipamentos, contrata mão-de-obra, remunera, gera riqueza e gera tributos para governos. É muito bom para o Brasil quando se tem atração de investimento externo para o país, isso faz com que a taxa cambial também caia e, com isso, uma valorização do real frente ao dólar”, afirma Bittencourt.
Porém, quando se olha para o cenário de reduções de impostos anunciados pelo governo federal, o economista Samuel Cunha diz que, quando se tem uma irresponsabilidade fiscal, mesmo que a intenção, em princípio, seja reduzir o preço em um cenário de inflação, isso não é visto como uma boa medida, podendo trazer imagem ruim de risco fiscal de forma geral para os investidores estrangeiros.
Korzenowski também defende que tais medidas podem elevar a instabilidade fiscal, impactando o prêmio de risco dos ativos do país, em um ambiente externo e em um ambiente político interno que se encontram desafiadores.
“A redução de impostos pode ser vista com desconfiança pelos investidores, não apenas pela situação fiscal, que já é complicada para o país, mas pelo aumento de insegurança jurídica, já que, no futuro, impostos podem ser elevados para compensar a atual queda que pode acontecer na arrecadação. Isso aumenta a instabilidade, afeta a confiança do mercado e pode afastar as decisões de investimentos no país”, diz a economista da Somma Investimentos.
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