A Caixa Econômica Federal começa a liberar nesta quarta-feira (20) o saque de até R$ 1 mil das contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o chamado saque extraordinário do FGTS. Cerca de R$ 30 bilhões serão liberados para aproximadamente 42 milhões de trabalhadores com direito ao saque. Economistas ouvidos pelo InvestNews avaliam que, apesar das cifras, a medida não deve trazer efeitos significativos para a economia brasileira e que, na maioria dos casos, o valor deve ser usado para pagamento de dívidas.
O economista Fabio Andrades Louzada, CEO da Eu me banco, explica que a medida pode ter algum impacto na economia do país, mas não será algo expressivo, já que muitas famílias estão endividadas e devem usar parte dos recursos para pagar dívidas.
“A outra parte do recurso, que deve ser usada para o consumo, não vai gerar um impacto tão expressivo na economia. Com a taxa Selic subindo, é atrativo deixar os recursos aplicados em investimentos. Por outro lado, Selic alta não é atrativa para empréstimos. Isso faz com que os empreendedores, mesmo vendendo mais, invistam menos em seus negócios, não gerando reflexo no nível de emprego”, diz Louzada.
Deibert Aguiar, CFP e head de atendimento de varejo da Braúna Investimentos, também avalia que o saque extraordinário do FGTS não promoverá um efeito econômico significativo já que, segundo ele, o valor que será liberado representa apenas 0,7% do total de consumo das famílias brasileiras ao longo de 1 ano, considerando os valores fechados de 2021.
“Para se ter uma referência de grandeza, o valor dado pelo governo federal com o auxílio emergencial foi cinco vezes maior que o saque do FGTS, e ainda tivemos o agravante de fechamento de várias linhas de produção, diminuindo a oferta de serviços e produtos, colaborando com a inflação. Dessa vez temos um aporte cinco vezes menor vindo do saque e com a economia já reaberta”, destaca Aguiar.
O comércio será favorecido?
Segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC), 36% (cerca de R$ 10 bilhões) dos R$ 30 bilhões que serão liberados deverão ser aportados no comércio, 34% (cerca de R$ 9,8 bilhões) no setor de serviços, 24% (cerca de R$ 6,9 bilhões) no pagamento de dívidas e 6% (cerca de R$ 1,7 bilhões) no consumo futuro.
Teresinha Mesquita de Carvalho, professora de Ciências Contábeis do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (CEUNSP), também considera que o comércio deve ser o mais beneficiado com a disponibilização dos valores do FGTS, já que, segundo ela, diversas famílias estão com dificuldades de comprar produtos básicos para o dia a dia e a entrada deste valor possibilitará o acesso aos produto, principalmente os de primeira necessidade.
O economista Mauro Rochlin, professor da Fundação Getúlio Vargas, avalia, no entanto, que o valor de R$ 10 bilhões não é suficiente para fazer uma diferença expressiva no resultado final do varejo. “Na verdade, é uma pequena ajuda que não terá relevância maior, por exemplo, em termos de impacto sobre o Produto Interno Bruto (PIB)”, diz Rochlin.
O economista César Bergo, coordenador da pós-graduação em mercado financeiro e capitais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB) e presidente do Conselho Regional de Economia da 11ª região, destaca, porém, que qualquer dinheiro que se coloca na economia vai favorecer o cenário atual, em função da letargia econômica que o país está vivendo.
“O consumo está ruim, a renda das famílias caiu e o desemprego ainda está assustador. Essas medidas são pequenas, se olhadas isoladamente, mas no conjunto cria um clima favorável e acaba tendo melhoria em cadeia: o dinheiro entra no comércio, que contrata mais, podendo melhorar a questão do desemprego”, diz Bergo.
Objetivos do saque extraordinário do FGTS
Segundo o mapa da inadimplência e renegociação de dívidas no Brasil, elaborado pela Serasa, pela primeira vez desde o começo da pandemia, o Brasil registrou 65,17 milhões de endividados em fevereiro, número recorde para o mês no comparativo dos últimos três anos.
O estudo apontou que as finanças dos brasileiros continuam mais comprometidas com bancos e cartões, que representam 28,60% das dívidas de fevereiro. Em segundo lugar, aparecem os débitos de contas básicas, como água, gás e energia, ficando em 23,20%.
Para a professora Teresinha Mesquita de Carvalho, o principal objetivo da utilização dos valores do saque extraordinário do FGTS deve ser de regularizar as pendências financeiras mais impactantes.
Segundo Carvalho, apesar de o FGTS extraordinário não propiciar um alívio significativo nas dívidas, já que muitas delas podem ter se acumulado nos dois últimos devido à pandemia, a professora avalia que, em posse do valor do FGTS, é possível negociar pendências por meio da redução das dívidas, especialmente as bancárias.
“O saque deve, prioritariamente, ser utilizado no pagamento de dívidas, principalmente as que incorram juros ou multas elevadas. Os pagamentos de aluguéis, energia elétrica, água e serviços de primeira necessidade também devem ser priorizados, pois podem acarretar o despejo do imóvel ou corte dos serviços necessários”, diz Carvalho.
É o caso da gerente de uma loja de roupas na capital paulista Pâmela Mello, de 32 anos, mãe solteira de uma menina de 8 anos. “Vou usar o valor do FGTS extraordinário para quitar dívidas e para contas que tenho a pagar. A liberação do saque é uma medida importante, que traz um alívio, pois estamos apertados financeiramente”, diz Mello.
A atendente Daniele Maurício, de 26 anos, também planeja sacar e utilizar o recurso do FGTS em especial para pagar dívidas. “Pretendo utilizar o valor disponível para dois objetivos. O primeiro deles é para pagar contas que estão em aberto e o outro para comprar o que falta nos preparativos para o meu filho que vai nascer”, diz Daniele.
O economista César Bergo alerta, no entanto, que muitas pessoas que desejam pagar dívidas precisam ver o tamanho delas, pois, a depender, o total disponibilizado pelo FGTS extraordinário não vai fazer diferença, não resolvendo o endividamento.
“O ideal é pegar esse dinheiro, colocar em uma reserva e usar da melhor forma. Se tem condições de negociar com o credor uma redução a dívida, melhor. É ter muita calma”, recomenda o economista.
Já Deibert Aguiar avalia que, muito provavelmente, a maioria dos beneficiários do saque do FGTS utilizarão os recursos para consumo, devido ao momento delicado de inflação, com os preços dos alimentos e outros bens de consumo em uma tendência de alta.
“Por estarem passando por uma fase de restrições de consumo, agora que entrará um valor não esperado, é provável que este será utilizado para comprar aquilo que ficou restrito nos últimos meses e apenas uma pequena parcela deve ser utilizada para quitar dívidas”, acredita Aguiar.
É o que planeja o vendedor Lucas Brito. Segundo ele, a intenção é utilizar todo o dinheiro disponível do FGTS para fazer compras. “Vou sacar todo o valor e pretendo gastar, até por que minha esposa está voltando das férias do trabalho e terei que ajudar ainda mais neste momento”, diz o vendedor.
O professor Mauro Rochlin aponta que além do consumo e pagamento de dívidas, o valor do FGTS extraordinário também deve ser guardado por alguns trabalhadores.
É o que fará o gerente de vendas Cosmo Oliveira, que não tem dívidas, mas pretende sacar o valor. “Vou retirar, mas não pretendendo gastar. Deixarei este dinheiro na conta corrente. A intenção é fazer uma reserva de emergência para um momento em que eu precisar do valor”, planeja Oliveira.
Quem também tem como objetivo guardar o valor do saque extraordinário do FGTS é Rebeca do Nascimento, que trabalha como caixa em uma loja que vende sorvetes.
“Pretendo sacar o valor e guardar esse dinheiro. Vou mudar de apartamento e, mais para frente, precisarei fazer reforma e planejamento dos móveis do quarto. A liberação desse valor é importante para mim”, diz Nascimento.
Efeito rebote para a inflação?
A liberação do saque extraordinário do FGTS acontece em um momento de um cenário de inflação elevada no Brasil.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país, acelerou para 1,62% em março, após alta de 1,01% em fevereiro. Foi a maior taxa para meses de março desde 1994.
Com isso, no ano, o indicador acumula alta de 3,20% e, nos últimos 12 meses até março, de 11,30%, acima dos 10,54% observados nos 12 meses imediatamente anteriores.
O economista César Bergo avalia que a medida do governo de liberar o saque extraordinário do FGTS pode impactar o cenário inflacionário brasileiro, tendo, de um lado, o Banco Central agindo para combater o avanço da inflação, com elevação da taxa de juros, e, do outro, o governo dando liquidez para o mercado.
“Pode ter efeito rebote na inflação. De um lado, tem alguém controlando e, do outro, jogando dinheiro na economia, incentivando o consumo. O que é mais importante: controlar inflação ou ter crescimento agora? Tem que ter esse cuidado e parece que não estão tendo. Querem pisar no acelerador, mas é necessário que haja prudência, pois tem uma inflação que está resiliente”, diz Bergo.
Segundo o coordenador da pós-graduação em mercado financeiro e capitais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB), “fazer política econômica visando eleição, favorecendo uma camada que, de fato, não está carente como outra, são medidas contracíclicas”, defende Bergo.
Louzada também considera que a medida pode gerar mais inflação. Segundo o economista da Eu me banco, o cenário de elevação dos juros não é ideal para aumentar dívidas ou alavancar negócios, mas, sim, mais atrativo para investir. “O aumento da Selic visa o controle da inflação, gerando uma política monetária restritiva. Olhando para o fluxo do FGTS: caso a população use o recurso para consumo, em vez de pagar dívidas, isso poderá causar inflação mesmo com os juros em alta”, analisa o economista.
Já Teresinha Carvalho avalia que a liberação do FGTS extraordinário não vai proporcionar impacto significativo na inflação.
“Haverá impacto na economia com entrada dos valores, pois, mesmo com o pagamento de dívidas, as pessoas têm tendência a realizar novas compras, porém, não deverá ser muito elevado no crescimento da inflação. Caso houvesse valores mais altos, ou com vários saques disponibilizados, a tendência seria de um impacto maior”, afirma a professora.
Investimentos no país podem ser afetados?
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi criado em 1967 pelo Governo Federal para proteger o trabalhador demitido sem justa causa.
Segundo o governo, com o FGTS, o trabalhador tem a oportunidade de formar um patrimônio, que pode ser sacado em momentos especiais, como o da aquisição da casa própria ou da aposentadoria, e em situações de dificuldades, que podem ocorrer com a demissão sem justa causa ou no caso de algumas doenças graves.
Além disso, ainda de acordo com o governo, o FGTS tem sido a maior fonte de recursos para a habitação popular e o saneamento básico e, a partir de 2008, o Fundo de Investimento FGTS – FI-FGTS ampliou a atuação do fundo, ao direcionar recursos para outros segmentos da infraestrutura, como a construção, a reforma, a ampliação ou a implantação de empreendimentos em rodovias, portos, hidrovias, ferrovias, obras de energia e de saneamento.
De acordo com levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a pedido da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), o saque do FGTS extraordinário compromete a sustentabilidade do fundo, inviabilizando o seu uso para investimentos em habitação, saneamento, infraestrutura urbana e outras áreas estratégicas.
Bergo explica que o FGTS é uma das poucas fontes de recurso para investimentos no país de médio e longo prazo. “O FGTS serve ao trabalhador na aposentadoria, para uma assistência no futuro, mas também serve para esse outro lado, o de investimentos no país. Em um Brasil carente de investimento, é cobrir de um lado e tirar de outro. Esse é o cenário mais preocupante”, diz o economista.
Já o economista Fabio Louzada diz que a liberação do saque fragiliza o FGTS, porém, não é motivo de grande preocupação. Segundo ele, cada vez que se libera o saque do FGTS, mais ele se fragiliza, porém, a remuneração do recurso parado em FGTS é muito baixa e que, portanto, é um recurso barato para o governo manter, diferentemente, por exemplo, do Tesouro Direto, o qual os juros que o governo tem que pagar são altos por causa do risco-país.
Deibert Aguiar, head de atendimento de varejo da Braúna Investimentos, também considera que o saque do FGTS extraordinário terá impacto baixo ou até mesmo nulo no financiamento de projetos no país.
“O FGTS possuía em ativos mais de R$ 570 bilhões no fechamento de 2020. O valor a ser liberado do saque representa 7,4% do total de ativos do fundo, que arrecadará esse valor do saque em aproximadamente três meses, ou seja, nos próximos três meses, todo o valor que será sacado retornará para o FGTS. No resumo, o que será sacado será recuperado rápido, dado a força de captação que o FGTS tem entre os trabalhadores e as empresas”, explica Aguiar.
Vantagens de investir o valor do saque extraordinário do FGTS
De acordo com o educador financeiro do Sicoob, Eduardo Trigueiro, o trabalhador que optar pelo saque do valor pode encontrar rendimentos muito maiores, até nos investimentos mais básicos e seguros.
“Hoje o rendimento fixo do FGTS é de 3% ao ano, enquanto a taxa Selic, um dos principais indicadores de referência da renda fixa, está no patamar dos 11,75% para o mesmo período. Uma aplicação em renda fixa, com baixo risco, pode já conferir quase quatro vezes o rendimento do FGTS”, afirma Trigueiro.
O educador financeiro lembra ainda que, antes de resgatar o dinheiro, é preciso ter em mente a finalidade do FGTS. “Ele é um fundo criado para que o trabalhador, em caso de demissão, por exemplo, não fique desamparado. Além disso, quando ele se aposenta, tem uma poupança forçada. Por isso é preciso ter muita cautela para não sair gastando com qualquer coisa”, alerta Trigueiro.
O educador financeiro Liao Yu Chieh também considera que sacar esse dinheiro é mais vantajoso financeiramente do que deixá-lo parado na conta do FGTS, já que a pessoa pode começar a investir, não importa a quantia, e, consequentemente, criar o hábito de tentar aplicar um pouco por mês e ver o dinheiro render.
Chieh alerta, no entanto, que o saque não é recomendado para quem não tem disciplina financeira. “Para essas pessoas, é melhor ter o dinheiro rendendo pouco do que sacar e ver o dinheiro sumir”, destaca o educador financeiro.
Calendário do saque extra do FGTS
Nascidos em: | Recebem em: | Nascidos em: | Recebem em: |
Janeiro | 20 de abril | Julho | 21 de maio |
Fevereiro | 30 de abril | Agosto | 25 de maio |
Março | 4 de maio | Setembro | 28 de maio |
Abril | 11 de maio | Outubro | 1 de junho |
Maio | 14 de maio | Novembro | 8 de junho |
Junho | 18 de maio | Dezembro | 15 de junho |