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Economia

Suspensão de privatizações divide economistas sobre pressão de alta na Selic

Governo federal retirou neste mês sete estatais do Programa Nacional de Desestatização.

Com a aproximação da próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), na primeira semana de maio, especialistas seguem na expectativa sobre a avaliação do cenário pelo Banco Central e como cada item pode pressionar a taxa Selic. Nesse sentido, a retirada de sete empresas do Programa Nacional de Desestatização (PND), oficializada pelo governo federal em abril, divide opiniões de economistas sobre pressões de alta na taxa básica de juros.

Além do déficit nas contas públicas e do nível da dívida, alguns especialistas apontam como uma das pressões de alta para a Selic a posição do governo federal de não ser favorável a privatizações. No entanto, também há quem aponte que não há relação tão direta.

Unidade dos Correios no Rio de Janeiro. Crédito: REUTERS/Ricardo Moraes

Bruno Mori, economista e sócio fundador da consultoria Sarfin, alerta para a redução de caixa que os cofres públicos terão sem as receitas extraordinárias com privatizações. Nesse cenário, o governo poderia optar por aumentar a carga tributária, por exemplo – o que tem efeito inflacionário e pode, por consequência, pressionar a Selic.

De maneira semelhante, Rodrigo Simões, economista e professor da FAC-SP, aponta que o movimento de revogar os atos de privatizações contribui para pressionar o BC por uma manutenção das altas taxas de juros ou até elevação.

Segundo o especialista, o motivo se dá diante de um Estado deficitário e com falta de planejamento de desenvolvimento econômico, ineficiência na administração de empresas públicas e a falta do cumprimento de papel social diante da população brasileira.

Já Jansen Costa, sócio fundador da Fatorial Investimentos, defende que “falando do macro, a questão de juros é a inflação. É ela quem vai mandar e não, simplesmente, a questão da privatização”. “Eu não vejo a privatização como um processo que vai definir a questão da taxa de juros”, diz ele.

Financiamento de projetos e relação com a Selic

Costa também chama atenção para o fato de o governo querer usar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar obra pública, ou seja, por meio de dinheiro mais barato do que a taxa de juros corrente do país. 

Mori também comenta o tema, e aponta novamente risco inflacionário. “De acordo com as sinalizações do próprio governo, as obras de infraestrutura devem ser financiadas através do BNDES com taxas subsidiadas, que pressionariam a demanda por bens e serviços e dificultariam o processo desinflacionário, forçando o Banco Central a manter a taxa de juros alta por mais tempo.”

Ainda em relação a financiamento de projetos, Piter Carvalho, economista da Valor Investimentos, afirma que boa parte da arrecadação para isso será por meio de impostos, junto da reforma tributária, taxação de grandes empresas, retirada de subsídios entre outras medidas.

Além disso, outros fatores que podem colaborar com a arrecadação, segundo ele, são novos acordos comerciais, volta de diplomacia e destravamento de alguns processos tributários. 

“São várias alternativas que não estão nas privatizações. É importante vender bem ao privatizar. Talvez, não seja o momento, dada a crise. É difícil achar um comprador que pague bem por um ativo e é um processo muito demorado. Talvez, nem fosse concretizado neste governo”

Piter Carvalho, economista da Valor Investimentos

Privatizações X arcabouço fiscal

Em meio à discussão sobre o impacto das decisões sobre as privatizações na taxa de juros, especialistas também monitoram como o tema está sendo tratado na discussão sobre das medidas do arcabouço fiscal.

O texto da nova regra, que substituirá o teto de gastos se for aprovada, foi entregue no último dia 18 ao Congresso Nacional. Um dos pontos diz respeito às arrecadações extraordinárias, que não serão consideradas no cálculo que limita o crescimento das despesas a 70% da variação das receitas, limitado a um intervalo entre 0,6% e 2,5% acima da inflação.

A equipe econômica optou por incluir a medida para evitar que receitas atípicas não corram o risco de se tornarem gastos permanentes. As receitas a serem excluídas do cálculo são: privatizações, concessões, permissões, royalties (exploração de recursos naturais) e dividendos das estatais.

Para Carvalho, da Valor Investimentos, as medidas apresentadas trazem previsibilidade – o que alivia a pressão sobre a Selic. “Só com arcabouço fiscal, o governo já resolveu boa parte dessa pressão sobre juros no país. Muito desse efeito já se foi. Houve demonstração de previsibilidade, taxas de juros futuros começaram a cair, bolsa de valores voltou a subir, mais investimento estrangeiro entrando no país”.

Relembre a decisão e a posição do governo

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante evento em Lisboa 22/04/2023 REUTERS/Rodrigo Antunes

Conforme anunciado no início de abril pelo governo, as empresas que terão seus processos de desestatização interrompidos são:

  1. Empresa Brasil de Comunicação (EBC);
  2. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT);
  3. Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev);
  4. Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A (Nuclep);
  5. Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias S.A (ABGF);
  6. Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro);
  7. Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada S.A (Ceitec).

Não foi a primeira movimentação do governo no sentido contrário às privatizações. Já no início de março, o Ministério das Minas e Energia enviou um ofício à Petrobras (PETR3PETR4) solicitando a suspensão de todos processos de privatização de bens da companhia por 90 dias. 

A decisão do governo de descartar privatizações de grandes empresas públicas vem em linha com as demonstrações feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva antes mesmo das eleições de 2022. À época, Lula dizia que, se eleito, iria rediscutir possíveis privatizações do governo de Jair Bolsonaro. Esse movimento é diferente do adotado pelo governo anterior, que defendia a venda de empresas estatais, avaliando que a medida poderia melhorar a situação das contas públicas.

Nesta segunda-feira (24), em um discurso a uma plateia de empresários em Portugal, Lula voltou a dizer que seu governo não fará privatizações e criticou as vendas de empresas públicas realizadas nos últimos anos.

“No Brasil, nós não vamos vender empresas públicas. O que nós queremos é convidar os empresários a fazerem parceria conosco naquilo que a gente precisa criar de novo”, afirmou.

“Nós nos desfizemos do nosso patrimônio, nosso patrimônio ficou menor e a qualidade do serviço não melhorou”.

Presidente Lula, em discurso em Portugal

O presidente voltou a criticar a privatização da Eletrobras (ELET3, ELET6). “Nós privatizamos a nossa maior empresa de energia elétrica que era a Eletrobras… Quando essa empresa foi vendida, a primeira coisa que a diretoria fez foi aumentar o salário da diretoria de R$ 60 mil por mês para R$ 360 mil por mês. Se você quiser ver apenas um absurdo, eu agora tenho que indicar um conselheiro para essa empresa. Um conselheiro dessa empresa para trabalhar uma vez por mês ganha R$ 200 mil”, disse.

Impactos das paralisações das privatizações

Segundo o último boletim das empresas estatais federais, do então Ministério da Economia, referente ao terceiro trimestre de 2022, 130 empresas estatais federais estavam ativas, sendo 46 por controle direto e outras 84 por meio de controle indireto. Confira:

estatais

Costa, da Fatorial Investimetos, avalia que a paralisação de privatizações dificulta a concorrência e os investimentos. “Uma vez que não privatiza, não entra recurso no caixa da União. E, uma vez que não faz o processo de privatização, obriga o governo a fazer mais investimentos no processo. Então, tem um gasto maior, um investimento menor e uma paralisia do mercado”, diz.

Carvalho, da Valor Investimentos, complementa que “obviamente, a pauta de privatização no Brasil não é muito fácil, são projetos de longo prazo”.

“Sem dinheiro novo, o governo tende a ajustar as contas de outra forma. Para equilibrar essa balança, precisa arrecadar mais e também voltar outros impostos. Privatizar nem sempre é a solução de tudo, mas foi uma fonte de receita dos outros governos. São projetos demorados, que exigem muitos estudos, mas não devem fazer parte desses próximos 4 anos da pauta do governo”, afirma o economista.

Simões, da FAC-SP, acredita que parar desestatizações que já estavam a caminho é um sinal ruim, pois a manutenção de mais empresas estatais significa que precisará de mais funcionalismo público na máquina governamental como um todo. “Se os tributos hoje já não são suficientes, então, tem que buscar arrecadar mais impostos para poder manter todas estas estatais”, afirma.

Para Mori, da Sarfim, o fim das privatizações limita a capacidade de organização das contas públicas. O economista destaca que nem todas as empresas geram lucros e precisam de capital para continuar investindo. 

“Isso prejudica a produtividade e o crescimento econômico no longo prazo, além de gerar distorções que geram ineficiências econômicas e, por consequência, mais inflação”.

BRUNO MORI, economista e sócio fundador da consultoria Sarfin.

Da mesma forma, Simões defende que, mediante o cenário de inviabilidade financeira das contas públicas, seria melhor para o governo se desfazer de ativos que não sejam estratégicos para o país ou que não exerçam a sua função social. Sendo assim, explica o economista, elas contribuem para o alto endividamento, se fazendo necessária uma maior taxa de juros para financiar este mesmo déficit de caixa de cada uma delas.

“A consequência negativa é dupla: para o país e para a população. Além da alta taxa de juros que o governo necessita para financiar seus prejuízos encarecendo o crédito para a população e empresas, tem o efeito inflacionário gerado por este desequilíbrio, que corrói o bolso das camadas mais pobres da população brasileira”, defende o economista e professor da FAC-SP.

Mori diz ser a favor das privatizações, por acreditar na economia de mercado. Na avaliação do economista, as principais privatizações que aconteceram no país melhoraram o acesso aos produtos e serviços. Simões também diz ser a favor do processo de privatização, por avaliar que toda empresa da iniciativa privada tem compromisso com qualidade e retorno dos acionistas.

Jansen Costa também diz ter visão positiva sobre privatização. Ele destaca, no entanto, que o grande ponto de atenção é com quem compra a empresa e vai fazer a operação, bem como também a falta de força de agências reguladoras do país.

Este conteúdo é de cunho jornalístico e informativo e não deve ser considerado como oferta, recomendação ou orientação de compra ou venda de ativos.

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