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Finanças

‘Governo perdeu benefício da dúvida do mercado’, diz especialista; veja análises

Com Auxílio Brasil, caminhoneiros e precatórios, mercado piora sensação de risco; veja opiniões de 4 especialistas.

Bolsonaro e Guedes
Presidente Jair Bolsonaro fala com o ministro da Economia, Paulo Guedes, durante cerimônia em Brasília. 25/3/2021. REUTERS/Ueslei Marcelino

A semana ainda nem terminou e caminha para ser uma das piores do ano, com o mercado repercutindo os fortes temores em relação às contas públicas no Brasil. Para especialistas, o movimento do câmbio e da bolsa de valores está dando claras demonstrações de perda de credibilidade do governo com o mercado – e do país, com os investidores. 

O InvestNews reuniu análises de 4 especialistas para entender como o mercado está prevendo os próximos passos (veja mais abaixo as análises completas). Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo, afirma que o governo “perdeu o benefício da dúvida com o mercado”. Isso significa que indicar que o teto de gastos será respeitado ou que haverá espaço no orçamento para acomodar as despesas não é mais suficiente para acalmar o mercado. 

“Ninguém tem a menor ideia de como isso vai ser solucionado. Na verdade, o seu teto de gastos não é teto de gastos, virou só um orçamento que você pode ajustar como quiser”, diz ele. 

Entenda: o que está acontecendo com o mercado

Até esta quinta-feira (21), o Ibovespa acumula uma queda de 6,03% nesta semana. Se acabasse hoje, seria a pior semana desde o tombo de mais de 7% em 15 de fevereiro deste ano, quando o presidente Jair Bolsonaro anunciou a troca no comando da Petrobras (PETR3 e PETR4) por insatisfação com os preços dos combustíveis. 

Agora, o que está puxando o mercado para baixo também são decisões políticas. O governo anunciou na quarta-feira (20) o programa Auxílio Brasil, uma versão turbinada do Bolsa Família, com valor mínimo de R$ 400 mensais para 17 milhões de pessoas, sem informar como esse aumento de despesas caberia no teto de gastos. 

Mais tarde, o ministro da economia, Paulo Guedes, disse que o governo poderia pedir uma “licença” para gastar cerca de R$ 30 bilhões fora do teto de gastos, em uma declaração com forte repercussão negativa no mercado.

Outra possibilidade levantada para bancar o novo auxílio também não foi vista com bons olhos: mudar a regra do teto de gastos pela PEC dos Precatórios para abrir espaço no orçamento. Pela regra, os gastos do governo devem seguir a inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior ao de sua vigência. Agora, a proposta é mudar a correção para inflação de janeiro a dezembro.

A polêmica sobre o estouro do teto de gastos para custear o Auxílio Brasil foi seguida ainda por uma promessa de ajuda aos caminhoneiros feita por Bolsonaro nesta quinta, em meio a ameaças de novas greves da categoria. Mais uma vez, não foi indicado de onde sairiam os recursos. 

O dia terminou com secretários de Guedes pedindo demissão após as últimas declarações do ministro. O secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, e o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, pediram exoneração de seus cargos.

O que diz ‘o mercado’

Veja abaixo a análise de três especialistas sobre o cenário:

Rodrigo Franchini *, sócio da Monte Bravo

Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo Investimentos
Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo Investimentos (Foto: Divulgação)

“Você tem dois pontos. O primeiro é: o governo já se demonstrou aberto a composições populistas que não satisfazem o mercado. Hoje, quando você coloca mais uma promessa para uma classe, o mercado pensa: o que inviabilizaria o governo de fazer novas concessões se outra classe viesse também? Está na cara que ele pode fazer qualquer coisa. 

O relator da PEC dos precatórios disse que estão tentando criar mais espaço no Orçamento, com a diferença agora de que você está mexendo no teto em si. Teria que ter todo um meandro político para subir o teto para não quebrá-lo. Na prática, então, o teto está quebrado. Na verdade, o seu teto de gastos não é teto de gastos, virou só um orçamento que você pode ajustar como quiser. Ao mesmo tempo você tem um modelo claramente populista num orçamento que claramente não tem espaço para isso. 

Parcelar o crédito dos precatórios teoricamente ajudaria muito. Mas o mercado não quer mais dar o benefício da dúvida. O governo perdeu o benefício da dúvida. ‘Não vou dar mais crédito ao governo, só vou mudar a precificação se realmente as coisas acontecerem’. 

(Sobre a ajuda de R$ 400) as pessoas não estão enxergando o médio prazo dessa situação. Uma coisa é, a curto prazo, auxiliar as pessoas com R$ 400 a mais. Pensando no médio prazo, o que você vai ter? País com descrença, você vai ter que elevar mais os juros. Quando você tem menor crédito perante os países para financiar a sua dívida, o que acontece? Entra menos fluxo e o dólar sobe mais. Dólar mais elevado, você importa inflação. Vai continuar com a inflação pressionada, vai ter que subir mais o seus juros porque tem somado o risco e a inflação pressionada. Então, vai ter um cenário de menor crescimento. 

As pessoas são levadas ao engano de que essa quebra do teto ajudaria as pessoas. São 17 milhões de pessoas que estão precisando, é verdade. Mas, no longo prazo, esses brasileiros serão os mais prejudicados com a inflação mais persistente. A gente viu no passado exatamente isso acontecer (o Auxílio Emergencial ajudou a economia). O que aconteceu um ano depois? A gente está de novo precisando. 

Em um país com a economia mais sólida, você gira a economia com emprego. Quando você não coloca a geração de emprego em primeiro lugar e sim a renda, vai viver de auxílio fiscal. E fica numa estagflação, que a gente corre o risco de acontecer. Não que as pessoas não devam ter acesso a uma renda melhor e não precisem, a questão é que não foi feito de maneira correta.”

( * em entrevista ao InvestNews)

João Beck * , economista e sócio da BRA:

João Beck, economista e sócio da BRA (Foto: Dilvulgação)

“O ministro da Economia é visto pelo mercado como guardião do cofre. Foi fato que o desrespeito ao teto de gastos foi atacado por diversas frentes do governo e até do Congresso. Mas é a primeira vez que Paulo Guedes sinaliza nessa mesma direção ao dizer que irá antecipar uma revisão do teto de gastos se pedir um ‘waiver’, uma licença para gastar com essa camada temporária de proteção. Para completar, Bolsonaro ainda disse que irá dar um auxílio aos 750 mil caminhoneiros para compensar a alta do diesel. 

É interessante o significado da palavra ‘waiver’ na história fiscal brasileira. Nos anos 90, o Estado era devedor do FMI e descumpria frequentemente os compromissos assumidos. Para evitar penalizações mais graves ao descumprimento, o governo brasileiro pedia um ‘waiver’. Era um termo de compromisso que combinava um pedido de perdão com a promessa de novos esforços compensatórios para cumprir o prometido no futuro.

O reflexo no mercado é obvio e sabido até aos menos iniciados: dólar para cima e bolsa para baixo. Mas outros dias de notícias menos piores já causaram essas variações de mesma intensidade – negativas pra bolsa e positivas pro dólar. O maior impacto mesmo é nos contratos de DI Futuro que projetam Taxa Selic ainda mais alta nos próximos meses. A bomba vai cair no colo do Banco Central, que precisará subir ainda mais os juros para remunerar e segurar o capital dentro do país. E juros mais altos puxa pra cima os encargos da dívida, uma conta salgada que pode mais do que compensar as benesses distribuídas hoje pelo governo.”

(* em nota)

Jason Vieira *, economista-chefe da Infinity Asset

Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset (Foto: Dilvugação)

“Ambos os candidatos à eleição de 2022 se mostram vocalmente incomodados com a adoção do teto dos gastos e seus limites constitucionais, pois tiram exatamente este ‘poder de extrapolar’ a dívida pública, ao ponto de arriscar o potencial de financiamento do governo e a recorrência ao expediente do aperto monetário extremado. Neste contexto, se torna inevitável a reação dos investidores ao descalabro fiscal, com adição de maiores prêmios na curva de juros e no câmbio, dificultando ainda mais o trabalho do Banco Central na condução da política monetária.”

(* em relatório)

Fernando Martin *, analista da Levante

Fernando Martin, analista da Levante (Foto: Divulgação)

“Aquela boa e velha tríade que vem fazendo preços há alguns meses: fiscal, político e inflação. E esses três fatores se conversam e, no limite, se potencializam tanto para o bem quanto para o mal. 

Na minha visão, o mercado vê o teto de gastos como o último e talvez principal guardião das contas públicas. E esses movimentos que foram revelados nos últimos dias foram vistos com maus olhos.

Sinceramente eu acho que não é momento de desespero. Claro, uma revisão de portfólio faz sentido, esse aumento de juro real começa a ficar atrativo para uma locação. NTN-B 2026 (Tesouro IPCA+ 2026) pagando juro real, taxa de 5,3% mais IPCA, a gente tem feito bastante recomendação nisso. A gente não acha que é hora de vender, diminuir risco, enfim. E continuar alocação em aportes periódicos na bolsa. Ao nosso ver, ainda é uma maneira inteligente de construir patrimônio consistente e duradouro no longo prazo.”

(* em nota)

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