Recentemente, o Banco de Compensações Internacionais (BIS), que atua como um fórum de diversos bancos centrais, definiu que as regras vigentes para os serviços de compensação, liquidação e pagamentos deveriam ser aplicadas também para stablecoins.
Desta forma, um operador deste tipo de criptoativo precisaria criar uma entidade legal que explique como é governado e os riscos operacionais e cibernéticos envolvendo as criptomoedas. Para avançar com a regulação, uma consulta pública está em andamento até o começo de 2022.
Mas por que estes criptoativos deveriam seguir o padrão do sistema financeiro tradicional? O que são stablecoins e por que os Bancos Centrais lutam tanto pela sua regulação?
A seguir, todos os detalhes sobre estas moedas digitais que ganharam força durante a pandemia.
O que são stablecoins?
Helena Margarido, analista de criptomoeda da Monett, explica que stablecoins são criptoativos criados para lastrear digitalmente moedas fiduciárias na proporção de 1 para 1.
Ela afirma que no mercado isso também é conhecido como tokenização de ativos. “Nesse caso, os ativos tokenizados seriam moedas fiduciárias tradicionais”, diz Helena.
Por este motivo, quando se fala em stablecoins, é possível encontrar dólar tokenizado, euro, real e outras moedas neste formato.
Já Rubens Neistein, Country Business Manager da Coin Payments, afirma que a principal caraterística das stablecoins é a estabilidade.
Ao serem lastreadas em algum ativo da economia real, estas criptomoedas se tornam estáveis e tendem a ter variações menos abruptas que o bitcoin, ether e outros criptoativos. “Um stablecoin pode variar 2% ou 3% para cima ou para baixo, mas não muito mais que isso, diferentemente das criptomoedas que têm um upside de valorização grande”, explica Neistein.
Ele exemplifica que existem o Tether (USDT) ou o USD Coin (USDC), que são criptodólares, tokens que possuem paridade com o dólar. Desta forma, para cada 1 dólar emitido em um token, deve existir 1 dólar depositado ou algum ativo que represente esse 1 dólar rastreado no token.
Como funcionam os stablecoins?
Helena Margarido aponta que existe uma entidade central que emite estes tokens em troca de depósito. Desta forma, a lógica seria que, para cada ativo, existisse um valor depositado.
Por exemplo, se uma pessoa deposita US$ 1 milhão junto ao Tether, a instituição deveria emitir 1 milhão de USDT em troca, cita a analista.
Olhando para stablecoins com valor atrelado ao dólar, André Franco, analista de criptoativos da Empiricus, aponta que existem dois modelos:
- Colateralização de moeda fiduciária: quando o emissor emite um token para cada dólar com lastro de um depositário. Segundo Franco, a desvantagem deste modelo estaria na confiança do emissor da moeda. Ele exemplifica que o Tether, emite o USDT, e em teoria possui um dólar em reservas para cada moeda digital emitida, porém não se sabe ao certo se estas reservas existem de fato na mesma proporção.
- Colateralização com outros criptoativos: Franco afirma que o protocolo MakerDAO permite a emissão de tokens DAI mas para isso ocorrer é necessário depositar um valor colateral em alguma criptomoeda, em uma quantidade que supere a proporção de 1 para 1 entre estas criptomoeda e o stablecoin. Esta estratégia é utilizada para em caso da moeda colateral oscilar, a stablecoin emitida não sofra com esta variação. No entanto, Franco destaca que cada protoloco tem uma forma diferente de lidar com essas paridades.
Ele cita ainda uma terceira via, que seria um lastro baseado em algoritmos computacionais, que regulam automaticamente a oferta de moedas, com o intuito de garantir o lastro com a moeda fiduciária.
Por que os EUA querem regular stablecoins?
Segundo os especialistas consultados pelo InvestNews, um dos principais motivos da insistência de alguns Bancos Centrais em regular os stablecoins é manter o domínio que eles possuem hoje sobre a circulação de moedas.
Helena, da Monett, defende que as nações pretendem ter a supremacia sobre qualquer forma de emissão de moeda nacional, mesmo que tokenizada. “Isso justifica a China estar lançando sua própria stablecoin e os Estados Unidos devem seguir o mesmo caminho”, aponta.
Para a analista, esse seria o motivo pelo qual as nações procuram regulamentar estes criptoativos. “Evitar que tirem a supremacia do poder central de emitir moedas”, defende
Já André Franco, da Empiricus, destaca que com o aumento da demanda de criptoativos o mercado também cresceu e os órgão governamentais criados para proteger o investidor contra crimes financeiros, como a SEC, iniciaram os debates de regulamentar este novo mercado.
O ponto de partida do debate seria classificar os stablecoins em alguma categoria, apontando se são ou não um valor mobiliário, considerando seu modelo de emissão.
Segundo Franco, caso eles forem considerados valores mobiliários, as corretoras que negociam estes ativos precisariam seguir uma série de requerimentos jurídicos e burocráticos que garantam a transparência da empresa e do ativo, além de algumas regras tributárias.
No caso das stablecoins, Franco aponta que o governo acredita que as empresas que emitem estas moedas seriam uma espécie de bancos não regulamentados, porque estão emitindo moedas por meio de depósitos.
“O conflito é que os depositários desconfiam das reservas que lastreiam estes stablecoins, com o risco de ocorrer um processo conhecido como bank runs, quando os investidores retiram seus depósitos pela desconfiança no emissor quebrando assim o lastro da moeda”, aponta.
Para evitar esse rombo financeiro, o governo está trabalhando para formalizar o processo de emissão de stablecoins. Mas segundo o analista, ainda se desconhece quais serão as regras em questão.
Quais são as principais stablecoins?
Para os especialistas consultados pela reportagem, as principais stablecoins são:
- Lastreadas em dólar: para cada stablecoin tem 1 dólar americano depositado. A valorização ou queda segue a cotação do dólar. Entre as principais estão Tether (USDT), USD Coin (USDC), TrueUSD (TUSD) e Binance USD (BUSD).
- Lastreadas em ether: Rubens Neistein explica que a Dai (DAI) é um stablecoin com lastro na criptomoeda ether, que possui um sistema de auto-regulamentação para manter a DAI estável, apesar das oscilações do ether.
Diferença entre criptomoedas x stablecoins
Neistein, da Coin Payments, aponta que a principal diferença entre as criptomoedas, como bitcoin, ethereum ou litecoin com as stablecoins é a estabilidade do ativo, como o próprio nome indica. Enquanto as criptomoedas normais variam conforme a oferta de compra e venda do mercado, as stablecoin tem um valor mais estável que segue o fluxo das moedas reais, como o dólar.
Para André Franco, da Empiricus, a principal diferença está no propósito do ativo. Ele cita que as stablecoins tem como objetivo a manutenção de uma unidade de valor estável, de fácil acesso e utilização no universo cripto, enquanto as outras criptomoedas podem ter propósitos diversos que envolvem desde governança até ganhos econômicos, fruto das pequenas e grandes oscilações dos ativos.
Já Helena Margarido, da Monett, acredita que a diferença entre um token que representa uma moeda fiduciária e uma criptomoeda é que as stablecoins não contam com um algoritmo próprio para emissão, não possuem sistema de mineração e nem blockchain própria. Estas características estão presentes em outros criptoativos.
“As stablecoins funcionam com a tecnologia de outros protocolos, blockchain. São totalmente diferentes das criptomoedas normais”, defende ela.
Vale a pena investir em stablecoins?
Olhando para as diferenças citadas acima, os especialistas consultados divergem sobre suas recomendações.
Para Helena, analista da Monett, o investimento em stablecoins não é muito vantajoso, considerando que o investidor estaria exposto a dois riscos: a falta de garantia que o emissor da stablecoin tem de fato reservas depositadas na mesma proporção, além da paridade com a moeda rastreada, o que gera um risco cambial.
Segundo ela, o objetivo de uma stablecoin não é ser um investimento e sim facilitar a transação de criptoativos, encerrando posições sem precisar converter tudo para o dinheiro imediatamente. “Neste contexto, acredito que vale mais a pena investir na própria moeda do que na stablecoin dela”, afirma Helena.
Já Franco, da Empiricus, acredita que as stablecoins podem ser uma boa alternativa de caixa em determinados smart-contracts ou protocolos de finanças descentralizadas. Contudo, ele reforça que a proposta de investimento é bem diferente de criptomoedas comuns, como bitcoin e ethereum.
Rubens Neistein defende que as compra de stablecoins podem ser uma boa alternativa de exposição automática ao dólar em situações de desvalorização do real, por exemplo. No entanto, ele também reforça que stablecoins não configuram de fato um investimento, porque a valorização destes ativos é mínima e não supera os 5% na maior parte do tempo.
Já criptomoedas como bitcoin, ethereum ou de outros projetos em desenvolvimento podem entregar uma forte valorização aos investidores.
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