No caminho de se consolidar como tendência, o mercado de eletrificação de veículos vem ganhando força no país e não se restringe a esta indústria. De acordo com a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), o emplacamento de carros elétricos em janeiro cresceu 93% em relação ao mesmo mês do ano passado. De olho nisso, empresas de segmentos diversos da bolsa de valores brasileira passaram a firmar negócios acompanhando este movimento.
Nos últimos meses, por exemplo, a Movida (MOVI3) adquiriu unidades com motores elétricos para sua frota de aluguel, a Vibra Energia (VBBR3) firmou parceria com startup de eletromobilidade, a Estapar (ALPK3) negociou parceria em recarga de baterias de veículos elétricos, a Ambev (ABEV3) comprou caminhões elétricos e a WEG (WEGE3) e a Neoenergia (NEOE3) fecharam acordo para recarga de carros elétricos no Brasil.
Ilan Arbetman, analista de research da Ativa Investimentos, explica que, apesar de a eletrificação da frota no Brasil ainda ser tímida, esse movimento por parte de empresas tende a aumentar.
“Mesmo com as experiências se multiplicando, ainda estamos na parte de aprendizagem da curva, no momento inicial. Estamos mais na parte de planejamento do que ações mais práticas, mas as companhias estão colocando o pé lá”, diz Arbetman.
Celio Lee, assessor de investimentos da Braúna Investimentos, aponta que a eletrificação de veículos está impactando toda a cadeia do setor automotivo, desde a fabricação até o consumidor final. Com isso, ele destaca que empresas precisarão estar atentas a esta mudança de paradigma e se adaptarem.
Por outro lado, Guilherme Tiglia, analista da Nord Research, avalia que o mercado de carros elétricos pode ser uma boa avenida de crescimento para várias empresas listadas na bolsa de valores brasileira, mas que continuará com uma pequena representatividade nos resultados das companhias até este segmento amadurecer no país.
Avanço da eletrificação da frota x infraestrutura e tecnologia
De acordo com o levantamento feito pela consultoria EY, uma série de fatores aceleram a queda dos motores convencionais em vários países do mundo. Entre eles, as novas tecnologias de baterias para os motores, mudanças nos hábitos do consumidor e incentivos públicos em diversas nações para adoção de tecnologias não poluentes.
“Uma mistura de mudanças nas atitudes do consumidor, regulamentações ambiciosas com foco no clima e evolução da tecnologia está prestes a mudar o cenário da compra de veículos para sempre. Embora a indústria automotiva tenha começado a abraçar mais plenamente o movimento em direção à eletrificação, o impacto dessa mudança sísmica está chegando mais cedo do que muitos esperavam”, explica Randall Miller, líder global de manufatura avançada & mobilidade da EY.
A pandemia também colaborou para as mudanças. Segundo o estudo da EY, pessoas que antes deste período estavam dispostas a substituir um automóvel próprio por outras formas de mobilidade, como o compartilhamento e o transporte público, estão reavaliando sua posição após a covid-19 e agora planejam adquirir ou manter o automóvel individual. E parte dessas pessoas, em torno de 30%, pretende dar prioridade aos motores elétricos na próxima aquisição.
De acordo com a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), o mercado de veículos eletrificados no Brasil entrou em 2022 em ritmo forte, com 2.558 emplacamentos em janeiro ante os 1.321 realizados no mesmo mês do ano passado. Atualmente, são mais de 5 mil veículos 100% elétricos em circulação no Brasil.
A questão de infraestrutura e tecnologia, no entanto, ainda é apontada como um empecilho para os carros elétricos ganharem presença com força no Brasil.
Arbetman defende que a eletrificação da frota já está acontecendo, mas de forma “homeopática”, devido aos custos, que não favorecem a replicação do sistema.
“A maioria das recargas é feita em casa. No Brasil, a tarifa residencial de energia é a mais cara. Há desafios logísticos para ter a replicação desse movimento, um deles é o custo de componentes. Isso tudo pesa, faz com que a gente tenha algumas dúvidas para saber exatamente sobre essa revolução”, destaca o analista da Ativa Investimentos.
Na avaliação de Heloisa Sanchez, analista da Terra Investimentos, o trabalho precisa ser conjunto para o crescimento do mercado de veículos elétricos, uma vez que, hoje em dia, ainda há diversos problemas de infraestrutura, como a falta de pontos de recarga.
Pontos de atenção
Quando se fala do avanço dos carros elétricos no país, Arbetman pontua que, por se tratar de um movimento um tanto quanto novo e desconhecido, sempre há risco sobre o futuro dos negócios, bem como seus impactos para as companhias.
“Ainda existem muitas dúvidas quanto à viabilidade, economicidade de alguns projetos, premissas, pontos que podem vir ou não a se confirmarem. Tem que ficar de olho”, alerta o analista da Ativa Investimentos.
Lee afirma que, nos casos dos carros elétricos, os riscos estão mais ligados a oferta e regulação do que na demanda, pois estes veículos ampliam o leque de clientes do setor, que precisará se adaptar para a crescente procura.
Perspectivas
De acordo com a 22ª edição da “Pesquisa Executiva Anual do Setor Automotivo Global 2021”, da KPMG, foram perguntados para 1.118 executivos em 31 países qual é a porcentagem estimada de vendas de veículos novos alimentados por bateria, excluindo híbridos, dentro de cada mercado, até 2030. Na média, eles disseram que os veículos elétricos representarão metade do mercado automotivo no Japão, na China, nos Estados Unidos e na Europa Ocidental e cerca de 40% no Brasil e na Índia.
Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Autoveículos (Anfavea), os veículos eletrificados poderão representar até 62% da frota de carros do país em 2035.
Arbetman aponta que o crescimento da eletrificação da frota não é um processo que vai se dar de forma rápida, mas, sim, continuada e que existem muitas diferenças de como ele se dará ao redor do mundo e que no Brasil não é diferente, já que questões como o custo trazem dificuldade para escalar este processo.
Para Rodolfo Consenzzo, head de mercados internacionais da Top Gain, conforme está sendo observada a movimentação de carros elétricos em países mais desenvolvidos, a tendência natural, segundo ele, é que a demanda cresça e novas empresas com estes projetos de carros elétricos e componentes e acessórios para este tipo de produto aumente substancialmente.
De acordo com Consenzzo, ainda é cedo para o investidor tomar uma posição, mas, pensando em setores de crescimento, as empresas de tecnologia possuem maior potencial em meio a este cenário.
Já Tiglia destaca que o importante de se ter em mente é que, quando se pensa no mercado de carros elétricos, ainda vai levar bastante tempo para que ele impacte as empresas e o mercado brasileiro, parte devido ao custo dos carros serem altos, parte pela falta de infraestrutura para que seja viável ter este veículo em diversas partes do Brasil.
Impactos nas empresas de energia elétrica da B3
Levando em consideração o avanço da eletrificação de veículos no país e seus possíveis reflexos em específico para as empresas do setor de energia elétrica listadas na bolsa de valores, devido à necessidade de carga dos veículos, Sanchez, analista da Terra Investimentos, explica que ainda não é possível determinar um impacto relevante para empresas do setor, principalmente dentro do curto prazo.
“Ainda é cedo para falar sobre os impactos desse movimento crescente, uma vez que a porcentagem de vendas não é relevante atualmente. O cenário dos veículos elétricos, apesar de importante, ainda está no início de sua trajetória”, destaca Sanchez.
Arbetman explica que, quando se fala em empresas de energia elétrica, tem muita coisa em jogo e que requer atenção, como o operacional da companhia, o financeiro, a capacidade de fazer investimentos, bem como seu caráter regulatório.
Considerando empresas do setor, Tiglia aponta que o impacto do crescimento do segmento de carros elétricos para as transmissoras é nulo, pois elas são remuneradas pela disponibilidade de suas linhas e não pelo volume de energia transmitida.
Já as geradoras e distribuidoras são, na avaliação do analista da Nord Research, beneficiadas pelo aumento de demanda de energia elétrica necessário para recarregar os carros e pela necessidade de construção da infraestrutura desse ecossistema, que são os pontos de carregamento.
Celio Lee, da Braúna Investimentos, acredita que o avanço da eletrificação de veículos vai gerar oportunidades para as empresas do setor de energia elétrica, mas que só o tempo dirá qual será o tamanho delas e, por isso, requer cuidado dos investidores.
“No final das contas, é sempre importante estudar o segmento, depois a empresa e, por fim, ter olhar de longo prazo para investir nestas companhias. Os investidores devem estar atentos a esta questão e, como qualquer empresa listada em bolsa que tem seu risco, acompanhar os balanços, notícias estruturais e os fatos relevantes que possam impactar cada companhia que investe”, recomenda Lee.
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