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Negócios

Dobra o número de varejistas na B3 com alavancagem elevada

Para analistas, fontes inadequadas de financiamento, juros elevados e dificuldades do setor justificam o movimento.

A quantidade de empresas do setor de varejo listadas na bolsa de valores brasileira, a B3, com índice de endividamento considerado alto dobrou no terceiro trimestre de 2022, no comparativo com o mesmo período de 2021. É o que aponta levantamento feito pela TC/Economatica a pedido do InvestNews. Para analistas, a maneira inadequada de obter financiamento, juros elevados e dificuldades do setor justificam o movimento.

Segundo a TC/Economatica, de julho a setembro do ano passado, das 14 empresas do setor de varejo com capital aberto no Brasil, quatro tinham o indicador de endividamento dívida líquida/Ebtida acima de três vezes. Ou seja, quando é apontado que a companhia está consideravelmente alavancada.

É o caso de Lojas Marisa (AMAR3), Americanas (AMER3), Via (VIA3) e Magazine Luiza (MGLU3). No mesmo trimestre de 2021, eram duas companhias, Lojas Marisa e Via. O indicador aponta quantas vezes a dívida líquida da empresa é maior que o Ebitda (Lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização). Confira:

No levantamento foram considerados dados do terceiro trimestre por ser o período mais recente em que todas as empresas já divulgaram seus balanços. Dessa forma, ainda não havia evidências de um endividamento ainda maior entre as empresas do setor, como da Americanas, por exemplo. A varejista anunciou no início de janeiro de 2023 inconsistências contábeis da ordem de R$ 20 bilhões, fazendo sua dívida ultrapassar os R$ 40 bilhões.

Malek Zein, analista de ações da casa de análises do TC, explica que o número de empresas alavancadas no setor aumentou pois muitas delas escolheram a forma errada de se financiar.

“Empresas deficitárias tomaram dívida, o que é um erro. A gestão deveria financiar as operações com capital próprio. Se a empresa queima caixa, a consequência natural é o aumento do endividamento”, diz Zein.

Luis Novaes, analista da Terra Investimentos, avalia que o número chama a atenção, mas que pode ser classificado como compreensível, considerando as dificuldades que o setor enfrenta.

“É importante analisar caso a caso para que seja avaliada a condução da gestão financeira e entender se isso pode fragilizar a perspectiva de crescimento da empresa”, alerta Novaes.

Causas do endividamento de empresas do varejo

Ainda de acordo com o levantamento da TC/Economatica, o endividamento, considerando a relação dívida líquida/Ebtida, cresceu em 57% das empresas de varejo listadas na bolsa de valores brasileira no terceiro trimestre de 2022 ante o mesmo período de 2021. 

Já se comparado o primeiro trimestre de 2021, quando a Selic estava em 2% ao ano, com o terceiro trimestre de 2022, quando a taxa de juros no Brasil estava em 13,75%, o endividamento, considerando o mesmo indicador, também avançou em 57% das empresas de varejo listadas na bolsa de valores brasileira. Confira:

Novaes explica que esse maior endividamento das empresas do varejo está, sobretudo, relacionado às pressões macroeconômicas. O analista da Terra Investimentos aponta a inflação como o principal fator negativo para a trajetória que o setor tomou no último ano.

“O ambiente de alta inflação e juros maiores gera um efeito negativo sobre o setor de consumo, tanto no lado das receitas, que são reduzidas pelo menor poder de compra da população, quanto pelo lado dos custos e despesas, que são ampliados em razão preços maiores praticados por fornecedores e crédito encarecido. A fim de conter a inflação, o Banco Central aumentou consideravelmente os juros básicos, o que restringe ainda mais o poder de compra de uma população e gera um efeito negativo sobre os resultados financeiros”, diz o analista da Terra Investimentos. 

Já para Zein, outro motivo para o aumento do endividamento de empresas do varejo é o modelo de negócios fraco. 

“Nem todas as empresas aumentaram endividamento, com destaque para o segmento de moda, que desempenhou bem, reduzindo seu endividamento. Os segmentos de varejo sem marca (como Marisa e C&A) e de varejo comum (como Magalu e Via), onde o único benefício é a venda barata, são modelos de negócios frágeis e fracos”, afirma o analista do TC.

Desafios para o varejo

Silveira, da Nova Futura, lembra que o varejo tem tido problemas desde a crise do governo de Dilma Rousseff, com as empresas fazendo um esforço para reduzir o endividamento e mudar seus perfis, sobretudo com a ida  ao comércio eletrônico. 

Varejo
Crédito: Adobe Stock

“A reação do mercado, no entanto, não foi suficiente para eliminar os pontos críticos. A chegada da pandemia, com queda forte dos juros e aumento importante da liquidez, deu fôlego ao setor, que voltou a se endividar. A perda de receitas combinada com juros em alta acabou por colocar a trajetória de endividamento em alta novamente”, destaca o analista.

Novaes, da Terra Investimentos, aponta as pressões macroeconômicas como o maior empecilho para o crescimento do setor e, na avaliação dele, para que possam ser mitigadas, seria preciso uma sinalização fiscal positiva do governo, como redução de despesas, definição do novo arcabouço fiscal e reformas encaminhadas no Congresso.

Com todas essas medidas concretizadas, ou pelo menos algumas delas, segundo o analista, permitiriam uma expectativa mais otimista de inflação nos próximos anos e abriria espaço para o Banco Central a iniciar o ciclo de baixa dos juros.

Ainda de acordo com Novaes, o caso da Americanas também agrega negativamente, pois, segundo ele, entre os grandes bancos, havia uma percepção de risco baixa no crédito a grandes empresas, o que facilitava o acesso a ele. Entretanto, após esse acontecimento, o analista avalia que é razoável pensar que as grandes instituições financeiras estejam com uma postura mais conservadora, buscando mais garantias ou prêmios maiores.

Zein destaca que é o típico momento em que se diferencia os bons negócios dos ruins, as empresas lucrativas e rentáveis das deficitárias e pouco rentáveis e que o aumento de endividamento está relacionado a modelos de negócios com problemas e queima de caixa. O analista de ações do TC alerta, no entanto, que as exceções são os supermercados, que aumentaram seus endividamentos para financiar um crescimento acelerado.

“Empresas de moda devem continuar a gerar caixa e reduzir endividamento, assim como os supermercados, que devem reduzir o crescimento e amortizar a dívida. Varejistas sem vantagens competitivas devem continuar a aumentar alavancagem, ainda sofrendo com a decisão errada de financiamento tomada anos atrás”, acredita o analista da TC.

Riscos do endividamento elevado

Novaes considera que os níveis de alavancagem do setor como um todo ainda não são alarmantes, mas que a perspectiva é desafiadora. Na avaliação do analista da Terra Investimentos, o cenário macroeconômico deve continuar pressionando o setor, pois ainda há muitas incertezas sobre a trajetória dos juros, tendo em vista as medidas do novo governo com foco no aumento de gastos sem contrapesos claros, como reformas e definição sobre a regra fiscal.

Para Silveira, da Nova Futura, o maior risco de endividamento elevado por parte das companhias do varejo é a crise de liquidez, que pode impedir que as empresas rolem seus passivos em condições favoráveis. 

“O  aumento dos custos financeiros não acompanhado por aumento das vendas, faz com que as empresas queimem caixa. Esse processo pode levar companhias a uma perigosa situação de fragilidade”, detalha o diretor de gestão de investimentos da Nova Futura.

Já para Zein, no limite, o aumento do endividamento de empresas do varejo irá ‘quebrar’  alguns competidores do mercado. 

“As primeiras a irem por esse caminho parecem ser Americanas e Marisa. Além das companhias listadas, esse movimento se estende a concorrentes não listados. Essa situação é benéfica para as empresas com bons modelos de negócios, como Renner, Arezzo e Soma”, acredita o analista de ações da TC.

Ações de empresas do varejo: vale a pena investir?

Gráfico do mercado de ações e preços de gráficos na tela de exibição
Crédito: RawPixels_1

Em meio a cenário desafiador para companhias do setor, analistas consultados pelo InvestNews têm opiniões distintas sobre investimento em papéis de varejistas e fazem alertas.

Novaes destaca que, apesar da perspectiva desafiadora, os pontos a favor do investimento no setor nesse momento são o desconto das ações listadas e a capacidade de recuperação pós-crise. 

O analista da Terra Investimentos aponta que, como a perspectiva é desafiadora, as empresas do setor passaram a ser preteridas por aquelas que poderiam se beneficiar com o ambiente de juros altos ou, até mesmo, investimentos em renda fixa.

“Em tempos de crise, algumas empresas saem fragilizadas e outras fortalecidas. Podemos ver isso acontecer também após essa crise do varejo, em que algumas empresas podem sair em uma posição de maior destaque no mercado, sendo necessário analisar individualmente. É um investimento arriscado, mas com um retorno condizente”, defende Novaes.

Para Zein, os principais pontos de atenção que o investidor devem considerar são a rentabilidade medida pelo ROIC, geração de caixa e endividamento. Para o analista do TC, companhias não rentáveis e com dívidas seguirão agravando sua situação.

Já na avaliação de Silveira, diretor de gestão de investimentos da Nova Futura, por ora, é válido o investidor ficar de fora do setor.

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