Três meses após levar um tombo de mais de 20% em um único dia, a ação da Petrobras (PETR3 e PETR4) está perto de retomar o patamar anterior àquele fatídico pregão, em que o mercado repercutiu a troca do comando da empresa.
Na segunda-feira (24), a ação preferencial da Petrobras, o papel PETR4, terminou o dia cotada a R$ 26,39. São alguns centavos de distância dos R$ 26,44 que o papel valia um dia antes da queda de mais de 21% na bolsa. A queda foi em 22 de fevereiro, logo após o presidente Jair Bolsonaro, insatisfeito com a política de preços da empresa, anunciar que trocaria o CEO da estatal.
Mas a crise de confiança do investidor com a empresa não começou ali. No pregão anterior àquele, a ação PETR4 já havia amargado queda de mais de 6%, com o investidor já desconfiado da possibilidade de interferência política. Antes disso, o papel valia R$ 28,32 – ou seja, atualmente, a queda acumulada da ação da Petrobras desde então ainda é de mais de 6%.
Já o volume de negociação das ações parece estar retornando ao patamar anterior. Segundo dados da provedora de dados financeiros Economatica, o volume médio diário semanal negociado em ações Petrobras PETR4 está perto de R$ 2 bilhões – próximo dos R$ 1,8 bilhões da semana anterior à eclosão da crise em fevereiro. Durante o período mais turbulento, quando as ações estavam despencando, o volume chegou a subir mais de 96% de uma semana para outra, com novo salto de 63% na semana seguinte.
Diante dos números, pensando nas expectativas para a empresa nos próximos meses, não há consenso entre os analistas sobre o que é mais provável: a possível recuperação continuar ou a desconfiança do mercado seguir pesando.
Entre os que acreditam que as piores incertezas ficaram para trás, Bruno Madruga, head de renda variável e sócio da Monte Bravo Investimentos, aponta que “o resultado do primeiro trimestre de 2021 da Petrobras veio acima da expectativa do mercado”, e esse seria agora o foco principal do investidor.
“Teve uma bela distribuição de dividendos de R$ 0,78 por ação da empresa. Esse resultado do primeiro trimestre criou uma nova expectativa de novos resultados positivos e, inclusive, a possibilidade de aumento na distribuição de dividendos”, diz Madruga.
Outro ponto no radar são as declarações do novo presidente, o general Joaquim Silva e Luna, no sentido de manter a política de preços e as estratégias de negócios da gestão de seu antecessor, Roberto Castello Branco.
“A partir do momento em que nós temos pronunciamentos falando que essa empresa estatal vai seguir, operar de acordo com o mercado internacional, os acionistas veem com bons olhos e a gente começa a ver inícios de um certo otimismo”, comenta Matheus Lima, analista da Top Gain.
No mesmo sentido, Jansen da Costa, sócio-fundador da Fatorial Investimentos, acredita que “nos próximos meses as indicações de manutenção da política de preços vão trazer a Petrobras para os preços de antes da mudança do presidente”.
No entanto, apesar dessas indicações, ainda há pontos de atenção. “Apesar de ter o Silva e Luna indicado que vai seguir as regras de mercado, com uma empresa pensando em geração de valor e caixa, a gente tem, por outro lado, o maior acionista, que é o governo, com Jair Bolsonaro dando declarações de que a Petrobras deve buscar o lucro, sim, mas deve buscar exercer uma parte social”, ressalva Bruno Komura, estrategista de renda variável da Ouro Preto Investimentos. “E isso com certeza deixa o investidor preocupado.”
Nesse sentido, para João Beck, economista e sócio da BRA, “o tombo não ficou para trás”. “O mercado ainda vê com cautela e aguarda um teste de fogo verdadeiro para o presidente. Esse teste será uma nova alta do petróleo mais forte e como a empresa irá se comportar em uma nova ameaça de greve dos caminhoneiros”, comenta ele.
Filipe Ferreira, diretor da Comdinheiro, também acredita que “o temor por mudanças bruscas ainda tem efeito”. “É uma ferida que cicatriza aos poucos. A recente sinalização de manutenção da política de preços ajuda, mas leva tempo até a confiança ser plenamente reestabelecida.”
Komura lembra, no entanto, que a questão política não é a única no radar do investidor de Petrobras. Um dos pontos de alerta, segundo ele, é a possibilidade de queda do preço do petróleo.
“Tem havido bastante volatilidade recentemente por questões de avanço da covid, com medo de redução do consumo de combustíveis e demanda por petróleo. Além disso, tem a questão do acordo nuclear do Irã, que está sendo liderado por Joe Biden, novo presidente dos Estados Unidos. Se houver um acordo, pode ter retirada de sanção no Irã e isso vai ajudar a aumentar a oferta de petróleo no mundo.”
Ibovespa se recuperou antes de PETR4
A Petrobras tem forte participação na composição do Ibovespa e, com isso, puxou o índice para baixo nos dias de forte volatilidade. Quando a ação PETR4 caiu 21%, o Ibovespa recuou 4,8%. Mas o principal indicador da bolsa brasileira não só retomou o patamar anterior à queda, na casa dos 118 mil pontos, como já superou. Na segunda-feira, o índice fechou acima dos 124 mil pontos.
Os analistas ouvidos pelo InvestNews apontam diversos fatores que puxaram o Ibovespa para cima nos últimos meses. “Os períodos do balanço das principais empresas vieram acima do que o mercado esperava. Principalmente dos setores que ficaram esquecidos em bolsa por conta da pandemia como varejo físico, shoppings, educação”, cita Beck.
“Nos últimos meses a gente percebe uma fortíssima alta do índice de materiais básicos, que se compreende por Vale (VALE3), Gerdau (GGBR3 e GGBR4), CSN (CSNA3), Usiminas (USIM3 e USIM5), todas elas acompanhando a forte valorização do preço do minério de ferro”, acrescenta Madruga.
Outras estatais, outros efeitos
Quando as ações da Petrobras desabaram, os papéis do Banco do Brasil (BBAS3) também sentiram os efeitos dos temores do mercado sobre interferência política nas empresas estatais. As ações do BB chegaram a cair mais de 11% no dia 22 de fevereiro. Agora, os papéis estão na casa dos R$ 32, considerando o fechamento de segunda-feira – acima do patamar de R$ 31 do dia anterior ao tombo de três meses atrás.
O BB também chegou a passar por uma troca de comando após incidentes políticos. Em março, André Brandão entregou pedido de renúncia ao cargo de presidente após desgaste com Bolsonaro. O posto foi assumido por Fausto de Andrade Ribeiro.
“A gente tem a mesma história, sim, de intervenção, que é bastante problemática. Mas, pelo menos, os novos executivos parecem também estar comprometidos com essa ideia de ter um banco mais eficiente”, comenta Komura sobre a troca.
“A ideia é continuar seguindo com o fechamento de algumas agências. Pode ser que seja num ritmo mais lento, mas pelo menos a sinalização é de busca por eficiência, ter um quadro mais enxuto, buscar rentabilidade”, completa o analista.
Mas analistas apontam que o avanço das ações BBAS3 nos últimos meses reflete mais o momento do setor bancário na bolsa. “Nós permanecemos na rotação das empresas de crescimento para as cíclicas. E aí, os bancos se beneficiaram desse movimento. E a gente viu então uma forte recuperação do setor financeiro, concomitante aos resultados trimestrais que vieram a contento de acordo com o consenso do mercado”, diz Madruga.
Já as ações da Eletrobras (ELET3; ELET6) não sentiram o peso do “efeito Petrobras” em fevereiro, e desde então o papel preferencial (ELET6) acumula alta de quase 50%. Analistas comentam que o impulso veio das expectativas de privatização.
“A Eletrobras já vem há um tempo caminhando muito mais próximo da privatização do que qualquer outra coisa semelhante ao motivo que tenha causado o tombo da Petrobras e do Banco do Brasil naquele período”, aponta Lima.
Na última semana, a Câmara dos Deputados aprovou a medida provisória de privatização da Eletrobras, encaminhando o texto para votação no Senado. “O caminho ainda parece longo, mas pode destravar valor relevante para a empresa”, diz Beck.
De qualquer maneira, ainda que a notícia tenha trazido otimismo aos investidores, a previsão dos analistas é de possível volatilidade. “Toda empresa que tem o governo como acionista majoritário está suscetível à esse tipo de notícia, por isso vários analistas descontam esse fator de risco no momento de calcular o valor justo da empresa”, resume Eduardo Perez, analista de investimentos da Easynvest.