Quando a indústria de previdência complementar caminhava para atingir seu primeiro trilhão, a pandemia do novo coronavírus interrompeu o crescimento do setor. No fim de janeiro, a carteira dessa indústria somava R$ 953 bilhões. Hoje, soma ao redor de R$ 900 bilhões. Agora, o segmento aprende a lidar com os impactos financeiros da crise.
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Em entrevista ao Conta+, o presidente da Icatu Seguros, Luciano Snel, defende que a queda na captação dessa indústria é normal na atual conjuntura, dado que o brasileiro acabou postergando algumas decisões de investimentos para o longo prazo. Além de estar à frente da maior seguradora independente do país em Vida, Previdência e Capitalização, Snel também é vice-presidente da Fenaprevi, que representa 67 seguradoras e entidades abertas de previdência complementar. Ele fala sobre a inevitável desvalorização das carteiras de Previdência no período, comenta a mudança de perfil dos fundos de Previdência e do momento para fazer a portabilidade para fundos com novas carteiras. Snel também comenta como a crise vem mudando a conscientização do brasileiro sobre os seguros de vida.
Sobre os riscos financeiros para o longo prazo, o presidente da Icatu defende que nada mudou. “Muita gente fala sobre o novo normal. Mas a tecnologia não eliminou os riscos financeiros que as pessoas enfrentam. As pessoas continuam com o desafio de proteger a renda do primeiro emprego, de economizar para a educação dos filhos, de garantir uma renda para a aposentadoria”, diz. Leia abaixo a entrevista completa:
InvestNews – A Icatu teve um aumento de 18% no lucro em 2019, para R$ 320 milhões, o melhor resultado da história da empresa, mas do ano passado para cá muita coisa mudou. Como a pandemia afetou a trajetória de crescimento do setor e como vocês estão lidando com isso?
Luciano Snel – Gosto de dizer que colhemos hoje o que foi plantado lá atrás. O resultado do ano passado foi plantado alguns anos antes e agora estamos plantando as sementes que vão gerar resultados mais à frente. Temos que ter sempre essa visão de longo prazo, ainda mais uma seguradora como a Icatu, que tem foco em pessoas. Não atuamos com automóveis, grandes riscos e saúde. Até abril a captação líquida do setor de Previdência está positiva em aproximadamente R$ 4,5 bilhões. A Icatu neste período está com uma captação líquida de R$ 1,5 bilhão. Em termos de resgates, a tendência nos primeiros quatro meses do ano está bastante em linha com os meses anteriores. Mas a captação líquida como um todo caiu sim, tanto a nossa quanto a do mercado, muito mais por conta da desaceleração dos novos aportes e novas contratações e que acreditamos ser perfeitamente normal, em momento de crise e incerteza econômica, as pessoas postergarem algumas decisões de investimentos como em Previdência.
A recente recuperação da bolsa brasileira, que chegou perto dos 100 mil pontos, pode acabar beneficiando o segmento de Vida e Previdência também?
A gente percebe que dos R$ 900 bilhões em fundos de Previdência hoje no Brasil, aproximadamente 80% continuam alocados em fundos de renda fixa. Houve sim nesse último ano uma migração mais forte para multimercados e no início deste ano para fundos de ações em previdência, que vêm ganhando um pouco mais de momento. Mas, na prática, olhando em grandes números, a maioria das reservas de previdência continuam em fundos conservadores, principalmente de renda fixa. E com esse patamar atual da Selic e as tendências ainda para o futuro, é uma tendência continuar uma realocação e diversificação dos investimentos. A bolsa, os fundos de ações e novos gestores entrando no mercado, deve continuar atraindo no mínimo essa diversificação da carteira.
É momento para reavaliar os investimentos na carteira de Previdência?
Sim. As pessoas deveriam no mínimo uma vez por ano fazer seu check up de saúde independentemente de pandemia, e também deveriam pelo menos uma vez por ano fazer seu check up financeiro. Revisitar seu momento atual, sua visão de futuro, as perspectivas que o mercado financeiro oferece, quais modalidades surgiram nos fundos de previdência, quem são os novos gestores, como está a rentabilidade e a volatilidade dos fundos. A crise é um bom momento para, sob orientação e com calma, ou usar as ferramentas e simuladores disponíveis, fazer essas simulações para o futuro. Normalmente, todas as modalidades dentro dos fundos de previdência buscam uma boa diversificação e checar se dentro dela e, à luz da volatilidade dos fundos nos últimos meses, se está adequado ao seu perfil de risco e seu horizonte de investimento. Gosto de enfatizar que não existe o investidor médio. Cada um tem suas peculiaridades, seu núcleo familiar, seu momento de vida pessoal e profissional e horizonte de investimentos, que outros recursos e fontes de renda cada um tem. Com essa análise, aí sim tomar sua decisão e fazer a alocação buscando todas as informações pertinentes.
Passamos por um enorme susto no curto prazo. A atual crise mudou alguma coisa nos fundamentos para quem olha para o longo prazo?
Muita gente fala sobre o novo normal e que o mundo mudou. Mas a tecnologia não eliminou os riscos financeiros que as pessoas enfrentam. As pessoas continuam com o desafio de proteger a renda do primeiro emprego, de economizar para a educação dos filhos, de garantir uma renda para a aposentadoria. Sob a ótica da necessidade, continuam assim. E quais características os produtos de Previdência podem auxiliar como uma das soluções para as incertezas financeiras para o futuro? Os produtos de Previdência, na minha visão, são hoje o melhor veículo de investimentos de longo prazo no Brasil. Tem a não incidência de come-cotas no período de acumulação, todo o recurso acumulado vai compondo exponencialmente com a rentabilidade e só incide o Imposto de Renda no resgate. Para quem tem algum tipo de remuneração tributável, poder alocar até 12% da sua renda tributável nos produtos de PGBL, e aí esse recurso alocado ser dedutível do Imposto de Renda no ano dos aportes. E tem a tabela regressiva do IR que começa em 35% mas vai até 10% no décimo ano, que significa que quem conseguiu poupar o limite ótimo de 12% de sua renda bruta anual, incluindo todas as fontes de renda e somar e no final do ano se tiver conseguido investir em PGBL 12% desse valor, esses 12% vão ser abatidos da sua base de imposto. Você não paga os 27,5% sobre o valor aportado, vai acumular por anos sem tributação e, se este recurso ficar pelo menos 10 anos, será tributado sob a alíquota de 10%. Essa visão do produto como longo prazo tem um efeito multiplicador muito forte, e tem a característica de o PGBL e VGBL ser um planejamento sucessório. No falecimento do titular do plano, os beneficiários têm acesso mais rápido às reservas acumuladas e uma flexibilidade maior para a escolha dos beneficiários no plano. São diversas características que, conjugado o grau de evolução de aplicação dos fundos de Previdência, se tornaram um produto de primeira necessidade do brasileiro.
Você falou da importância em diversificar, mas diante do risco que vivemos hoje, da crise e do que ela pode gerar para as próximas décadas, você acha importante alocar mais risco na carteira de Previdência, como ações?
O mais importante é ter um diálogo frequente entre a Fenaprevi, a Federação das Segiradoras de Vida e Previdência, e o órgão regulador, que é a Susep. Ao longo do tempo vai se discutindo o que se poderia ampliar em termos de regras e aplicação desses fundos de Previdência à luz do que o mercado vem oferecendo. Surgem novos títulos, o papel vai tendo mais liquidez e mais demanda e as regras de Previdência também vão evoluindo com o tempo. Dentre as mais recentes, anteriormente os fundos podiam ter até 49% em ações, isso foi ampliado para até 70% para os fundos normais, chamados fundos de varejo.
Tem também a figura do investidor qualificado de Previdência parecido com o investidor qualificado com os fundos de investimento que para estes casos o fundo pode até ter 100% em ações. Alguns gestores de ações não se aventuravam a entrar no mercado de Previdência para ter um fundo com menos da metade da carteira em ações, e agora tem bons gestores que estão avaliando abrir fundos de Previdência em benefício de todo o mercado e dos participantes. Com isso, as pessoas têm mais flexibilidade também de diversificar com mais opções de investimentos. Traz mais gestores, mais opções, mais variedade e isso é sempre benéfico. Outra regra que evoluiu é quanto poderia alocar em ativos no exterior. Vai até 10% para o varejo, 20% para o proponente qualificado. São regras que vão evoluindo ao longo do tempo.
Sobre o segmento de seguros de vida, qual foi o impacto desta crise? Quais as perspectivas do segmento daqui para frente?
Percebemos uma evolução grande em relação à percepção, à cultura do brasileiro em relação ao seguro de vida, especialmente o individual, que tem ainda uma penetração muito baixa e até a demanda sempre abaixo do que se esperava comparado com seguros de automóvel e seguro saúde. A representatividade do seguro de vida, mesmo crescendo nos últimos anos, sempre abaixo do potencial comparado a outros países. Percebemos claramente nestes últimos dois meses uma curiosidade e preocupação maior com seguro de vida, seja para si próprio e cobertura de morte, invalidez e doenças graves que abrangem o seguro de pessoas, ou até os seguros para os funcionários das empresas. Até os pequenos empreendedores estão preocupados com a situação financeira e de vulnerabilidade nesse momento. No nosso ponto de vista, a Previdência, à luz de queda dos juros, reforma da Previdência muito em voga, houve uma conscientização do papel da Previdência Privada, e agora a conjugação dela com um seguro de vida cria uma força muito poderosa em termos de planejamento e proteção financeira para o futuro. Fazer uma Previdência olhando para daqui a 20 ou 30 anos à frente, corre o risco da jornada, como é longa, ter imprevistos ao longo do caminho. Percebemos que o seguro de vida tende a ser cada vez mais demandado e ter uma maior sensibilidade de até quanto custa. Pessoas comparam com quanto custa o seguro do automóvel achando que vai ser proporcional, e normalmente é bem mais em conta do que as pessoas imaginam. Leva um tempo até as pessoas entenderem quanto precisa de capital.
O momento é propício para quem pensa em fazer a portabilidade de seu fundo de Previdência?
A portabilidade é um instrumento da indústria de fundos de Previdência que não tem paralelo em outros instrumentos financeiros. Além de dar uma liberdade muito grande para o cliente poder migrar ou de uma seguradora para outra, ou de um fundo para outro fundo, em ambos os casos sem caracterizar um resgate, sem incidência de imposto nessa movimentação, é muito importante para esse momento de revisão e realocação da carteira de investimentos. Na maioria dos casos vai demandar a portabilidade para migrar para uma carteira mais diversificada. É altamente recomendável. Na Fenaprevi tem um sistema como uma Cetip, uma câmara de liquidação que controla essas portabilidades entre seguradoras que também evoluiu muito com a demanda nos últimos anos e isso traz mais transparência para o mercado.
Essa atual crise e tudo o que aconteceu nos últimos dois meses já deixou alguma lição para o segmento de Vida e Previdência?
O mercado de seguros vive do mutualismo. Além dos grandes números, fazer essa conta estatística atuarial dos seguros. O mutualismo está muito em voga, olhando para o coletivo, não só para nós próprios mas para a família e a comunidade. Mutualismo e proteção, que são os pilares dos seguros, chegaram para ficar e têm um tom de moderno por olhar a coletividade. Um ponto interessante com crise, que tem a ver com o olhar de nós como profissionais, que toda crise nos traz mais força para focar no propósito. Lá na Icatu nossa missão é democratizar o acesso aos produtos de planejamento e proteção financeira a todos os brasileiros e todas regiões do país. Por exemplo, uma plataforma como a da Easynvest gera essa possibilidade e democratização do acesso da informação. Essa parceria é muito importante e vai muito em linha com a missão do propósito. O momento de crise também trazem mais união ao mercado, as seguradoras estão se falando mais, conversando com órgão regulador, cada um para entender o ponto de vista, como reforçar ainda mais o setor, e como nos comunicar melhor com o público e os formadores de políticas econômicas. A crise nos obriga a buscar novas soluções com mais velocidade ainda, todos buscando mais conveniência e mais segurança e isso só acelera como pensar diferente e atender às novas dores e necessidades. E também é uma oportunidade para inspirar a nova geração de líderes, tem muita gente vivendo essa crise como a sua primeira ou entrando no mercado de trabalho e acabou de entrar ou está evoluindo na carreira ou é um empreendedor e acredito que temos um papel importante. As pessoas vão olhar para trás e ver como as empresas e os líderes agiram nesse período. Na crise, as pessoas lembram mais do que aconteceu naquele ano, como as pessoas se comportaram. Temos que assumir uma responsabilidade muito grande e fazer as coias certas pelos motivos certos.