Apesar de as debêntures terem registrado em setembro o melhor resultado mensal de 2023 no volume de emissões, entre os especialistas não há consenso sobre o futuro dos lançamentos de títulos de dívidas emitidos por empresas. Isso porque as incertezas sobre o cenário pela frente não permite prever com clareza se as empresas vão continuar sentindo segurança para emitir dívidas.
Segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), no mês passado, as ofertas de debêntures somaram R$ 31,8 bilhões, recorde mensal neste ano. Veja:
Embora tenha sido o maior volume de 2023, o número de ofertas de emissões, por outro lado, caiu. De janeiro e setembro de 2023, ocorreram 239 ofertas de debêntures, volume correspondente a, aproximadamente, 69% da quantidade total registrada no mesmo período de 2022, quando ocorreram 347 ofertas. Compare o total anual de emissões:
Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed, explica que as novas emissões vão depender de um uma série de fatores e que, por isso, ele diz não ter expectativa futura definida.
“Incerteza com relação ao cenário macroeconômico para 2024 ainda é muito alta. Temos, agora, um conflito (no Oriente Médio) agravando ainda mais as relações. Há problema inflacionário e um risco de dívida nos Estados Unidos“, afirma.
“No Brasil, tem muita incerteza com relação à política fiscal e se o país vai conseguir cumprir as metas que foram estabelecidas pelo governo com relação ao déficit do ano que vem. Além disso, várias reformas ainda estão pendentes. Então, todas essas dúvidas ainda não trazem o conforto necessário para dizer que 2024 vai ser um ano melhor para que as empresas se sintam mais confortáveis a voltar a emitir”, diz Jorge.
Já para Jansen Costa, sócio fundador da Fatorial Investimentos, o processo de aumento de captação de recursos por parte de empresas através de instrumentos de dívida só crescerá.
“Obviamente, só pode mudar se o governo, basicamente, quiser usar mais o BNDES para o financiamento. Se isso não acontecer, é crescente este processo. O mercado de capitais tem, ao longo do tempo, tomado espaço do financiamento bancário e também do financiamento público. Independente do cenário, juros mais altos, juros mais baixos, a tendência é de um aumento desse processo, muito mais estruturalmente falando. O mercado é positivo pra isso e voltou a acelerar. As perspectivas são boas”, aponta Costa.
Reflexo direto da taxa de juros?
Jorge explica que a queda da taxa Selic no país motiva novas emissões de debêntures.
“Quanto maior a taxa de juros, menos apetite a empresa tem para fazer novas emissões porque isso representa um custo maior. Na via do investidor, quanto maior a taxa de juros, melhor, porque ele está recebendo essa taxa. É uma questão de oferta e demanda. Então, quanto maior é a taxa, maior é o custo da empresa e menores tendem a ser tendem a ser as emissões”.
Ricardo Jorge, da Quantzed.
Alex Nery, professor da FIA Business School, justifica este movimento exemplificando que, em 2016, quando a Selic passou boa parte do ano acima de 14%, houve 174 ofertas de debêntures. Em 2017, a taxa começou um processo de redução, chegando a 7% ao ano ao final do período, e o número de ofertas de debêntures saltou para 259. Nos anos seguintes esse processo se repetiu e, somente em 2020, ano do início da pandemia de covid-19, o número de oferta de debêntures reduziu.
De acordo com Nery, é importante lembrar que esse período coincide com a redução dos desembolsos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o que significa que não é somente a redução da taxa de juros que explica o crescimento do mercado de debêntures.
“A queda de juros incentiva a emissão de títulos de dívida, pois reduz o custo de capital das empresas, mas não é o único fator considerado pelas empresas na decisão de emissão. Portanto, com a perspectiva de queda da taxa Selic, é esperado que o mercado de debêntures volte a ganhar fôlego, mas é importante reconhecer que outros fatores conjunturais têm o potencial de frear a evolução do mercado”, destaca o professor da FIA Business School.
Perda de atratividade?
Em sua última decisão de política monetária, em 20 de setembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central reduziu a Selic em 0,5 ponto percentual, passando de 13,25% para 12,75% ao ano. Foi o segundo corte consecutivo da taxa. Antes disso, o último corte da Selic havia sido em agosto de 2020. Veja:
Movimentos como este, de forma geral, estimulam a migração de investidores para renda variável, já que a renda fixa começa a perder atratividade. Apesar disso, Rodrigo Correa, estrategista-chefe e sócio da Nomos, aponta que esse movimento ainda não foi visto de forma efetiva. Segundo Correa, ainda que o Brasil esteja no ciclo de queda da taxa Selic, no exterior, é diferente.
“O Brasil acaba sendo arrastado pelos mercados globais, que acabam ditando muito o rumo do que vivemos aqui. Na realidade, ainda não vimos esse efeito da queda da taxa de juros efetivamente incentivar de maneira importante os mercados de renda variável e, por isso, não vimos uma eventual desvantagem para as emissões de debêntures”
Rodrigo Correa, estrategista-chefe e sócio da Nomos
Na mesma linha, Jorge, da Quantzed, defende que, apesar do ciclo de queda de juros no país, o patamar da Selic segue elevado e isso faz com que seja pouco provável que haja uma migração abundante de investidores de renda fixa para a renda variável.
“Com uma taxa de juros elevada e com uma perspectiva de crescimento menor, o que, obviamente, vai impactar no resultado das empresas, eu acho muito pouco provável que haja uma migração consistente de investidores. Isso, certamente, vai promover ainda uma demanda forte por ativos de renda fixa, onde se enquadram as debêntures”, diz o especialista.
Investidor X empresa
Jorge diz acreditar que, enquanto o Brasil tiver um patamar de juros elevados, o que vai definir a emissão de debêntures é a propensão que a empresa tem de pagar uma taxa de juros maior para se financiar em face da demanda do investidor, que não vai querer correr um risco maior tendo a possibilidade de ter rentabilidade de dois dígitos.
No mesmo sentido, Nery defende que a queda das taxas de juros pode levar alguns investidores a buscar alternativas na renda variável e reduzir a atratividade das debêntures em relação a outros investimentos, mas que isso não significa que haverá uma migração total para ativos de risco.
O professor da FIA Business School destaca ainda que a boa prática da diversificação da carteira não indica alocar todos os recursos em apenas uma classe de ativos, mesmo para aqueles agentes com menor aversão ao risco.
“É sempre importante uma avaliação cuidadosa antes de investir em debêntures, especialmente em um ambiente de taxas de juros em queda”, alerta Nery.
Para Costa, a grande questão vai além da taxa de juros. Segundo o especialsta da Fatorial, o que o mercado vai demandar são as garantias, a qualidade da emissão das debêntures e o tipo de captação.
Riscos e oportunidades
Ricardo Jorge, da Quantzed, afirma que a relação risco e oportunidade no mercado de renda fixa privada é uma linha muito tênue e que, atualmente, existem várias oportunidades. Ele alerta, no entanto, que o primeiro passo que define o investimento em crédito privado é a avaliação do risco de crédito do emissor, considerando se a empresa tem capacidade de pagamento e se é sólida e saudável financeiramente.
Passada esta etapa de avaliação, Jorge recomenda que sejam selecionados os melhores emissores, ou seja, aqueles que têm menor risco de crédito, as melhores rentabilidades, os melhores prazos e as melhores condições, ou seja, é preciso fazer uma avaliação geral de quem está emitindo o título.
“A oportunidade sempre existe, e em todos os mercados. A grande questão é: a oportunidade que está sendo oferecida é compatível com o nível de risco que o investidor vai correr? Esse é o principal ponto. E cada investidor sabe do seu nível de risco. As oportunidades estão aí para serem aproveitadas e o mais importante é o investidor conhecer o seu perfil de risco, conhecer o risco do emissor e fazer avaliação”, recomenda Jorge.
Alex Nery destaca que o investimento em debêntures expõe o investidor ao risco de mercado, que está relacionado às condições econômicas e ao mercado financeiro em geral. O professor explica que se as taxas de juros subirem, o valor de mercado das debêntures existentes pode cair, e que é importante acompanhar as expectativas em relação às condições macroeconômicas e entender como elas podem afetar o desempenho dos títulos.
Outro ponto de atenção, segundo Nery, é o risco de liquidez, que é representado pela possibilidade de o investidor não conseguir vender as debêntures rapidamente e levantar recursos para honrar compromissos de curto prazo ou aproveitar janelas de oportunidade.
“As debêntures podem ter menos liquidez do que outros investimentos, como ações ou títulos públicos, por exemplo, tendo em vista que ainda não temos um mercado secundário dinâmico para títulos privados no Brasil. Isso significa que pode ser mais difícil para o investidor vender as debêntures antes do vencimento, especialmente em grandes quantidades”, diz Nery.
Em relação às oportunidades, o professor da FIA lembra que o investimento em debêntures, muitas vezes, oferece taxas de juros mais atrativas do que investimentos de renda fixa tradicionais, como Certificados de Depósitos Bancários (CDBs) ou títulos públicos, proporcionando um bom retorno sobre o investimento.
Além disso, Nery ressalta que, ao incluir debêntures na carteira, o investidor diversifica seus ativos, o que pode ajudar a reduzir o risco global.
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