Crianças devem se relacionar desde cedo com o dinheiro? Você não deve se lembrar, mas se fizer uma autoanálise, vai perceber que somos o resultado da forma como nossos pais lidavam com suas finanças pessoais: é o chamado DNA financeiro.
De carona no Dia das Crianças, que tal dar um presente diferente para seu filho este ano? O InvestNews consultou a educadora financeira e psicopedagoga Andressa Costa para entender os caminhos que os pais precisam seguir para preparar seus rebentos para uma vida financeira saudável. Ela começa apontando alguns erros bem comuns que os adultos cometem antes mesmo de introduzir o tema finanças no lar:
- O primeiro é não falar sobre dinheiro. O assunto só vem à tona quando os pais brigam por contas a pagar na presença dos filhos. É aí que as crianças criam uma primeira impressão negativa sobre as finanças.
- O segundo erro é quando os pais transmitem uma imagem negativa sobre trabalho para os filhos. Com frases como “Não aguento mais ir ao trabalho”; “Trabalho só para pagar conta ou para comprar presentes para você”. Segundo Andressa, o impacto destas frases é muito nocivo, porque crianças precisam criar uma visão positiva sobre o meio de sustento financeiro e para a realização de sonhos.
Andressa aponta que a idade ideal para ensinar as crianças a lidar com dinheiro é a partir dos três até os sete anos de idade. São estes aprendizados que eles levam para a adolescência e vida adulta. “Quando crianças recebem educação financeira, a probabilidade de se tornar adultos inadimplentes é menor”, reforça.
A partir dos 3 anos
Provavelmente, você está se questionando: mas três anos não é muito cedo para falar de dinheiro com nossos filhos? Segundo um levantamento da consultoria McNeal, o comportamento de consumo infantil começa ainda mais cedo. A partir dos 2 meses de idade as crianças já tem as primeiras impressões do mundo mercantil por meio de cores, formas, texturas e odores. Os bebês enxergam embalagens coloridas e se interessam por elas.
Aos dois anos de idade, eles já pedem alguma coisa, seja por gestos ou palavras. A partir dos três anos, começa o processo de seleção. As crianças pegam produtos nas prateleiras e tentam satisfazer alguma necessidade por meio da escolha. É aqui que eles também começam a fazer pedidos, de chocolates a brinquedos. É nesta etapa que a educação financeira deve ser inserida.
Como o comportamento de consumo se fortalece a partir dos três anos de idade, é importante conectar as crianças com estes ambientes. Por este motivo, a educadora financeira aconselha dar o primeiro passo na jornada: leve seus filhos para fazer compras com você no mercado, padaria ou feira. Além disso, é recomendável entregar moedas para que eles possam experimentar a sensação de fazer um pagamento.
Nesta idade, é importante também dar o primeiro presente às crianças: o primeiro cofrinho, de preferência transparente para que eles possam ver as moedinhas se acumulando. Assim, eles podem guardar o troco e juntar seu próprio dinheiro. “Aos três anos, muitas crianças não têm noção de preços, mas tudo começa pela questão de juntar dinheiro para comprar alguma coisa”, explica Andressa.
Se uma criança quer comprar um chocolate, ela pode juntar as moedas aos poucos até alcançar seu objetivo. O exercício não apenas treina a paciência, mas também o hábito de poupar. “Quando as crianças conseguem comprar alguma coisa com o dinheiro do cofre, elas ficam muito felizes”. acrescenta.
Elas podem ficar tão empolgadas com a ideia que dão um jeito de ganhar mais moedas. Lembrando que nessa idade o valor doado à criança não deve ser exorbitante.
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Sem birras
Levar as crianças para fazer compras no mercado ou na feira é um processo fundamental para a educação financeira. Mas muitos pais acabam deixando isso de lado pelo medo das birras, ou alternando as idas ao mercado enquanto os filhos ficam cada vez mais afastados do processo de compra.
Segundo Andressa, isso é um erro porque os pais privam os filhos de vivências importantes para desenvolver sua relação com o dinheiro. Mas como controlar os ataques de raiva? Para isso, ela recomenda quatro passos importantes que devem ser seguidos para se livrar das birras:
- Inclua seus filhos nas atividades domésticas: isso pode ser feito de forma lúdica. Por exemplo, denominar a criança ‘o fiscal da luz’ para controlar o gasto excessivo de energia. Com isso, ela gera um senso de responsabilidade com as tarefas da casa e vai criando hábitos.
- Delegue a missão de identificar quando um item está acabando: Assim, a criança entende o conceito de lista e fica responsável por alertar quando um produto acaba e é preciso comprar outro. Isso também fortalece a autoestima da criança, que se sente administradora do lar.
- Convide seu filho para fazer as listas de compras com você: mesmo que ele ainda não seja alfabetizado, peça para ajudar a lembrar o que é necessário comprar, conferindo armários e geladeira. Eis aqui o elemento fundamental contra birras: combine com ele um produto que ela terá direito a comprar no mercado, seja um chocolate, um iogurte, ou uma bala.
- Ao ir ao mercado, mantenha o combinado: use a lista e leia os itens para que a criança o ajude a pegar os produtos e colocá-los no carrinho. Caso a criança muda de ideia ao escolher o produto combinado que ela vai ganhar, diga a ela que poderá apenas trocar por outro produto da sua preferência, mas de valor igual. Assim, ela precisará fazer escolhas. Caso a criança insista em levar dois produtos, diga a ela que o item extra será descontado do dinheiro do cofrinho.
‘Semanada’ ou ‘mesada’?
Andressa aconselha que, até os 5 anos de idade, a criança ganhe apenas trocados em moedas. Mas quando ela chegar no 1º ano de ensino fundamental, com 6 ou 7 anos, e tiver uma certa familiaridade com números, pode começar a ganhar mesada.
Como crianças ainda não têm uma noção clara do tempo, a educadora financeira recomenda fracionar a mesada em quatro semanadas. Por exemplo, se você decidiu dar R$ 10 de mesada ao seu filho, pode dividir isso em quatro semanadas de R$ 2,50 cada. Conforme ela for crescendo, isso pode se tornar quinzenada ou até mesmo mesada.
Contudo, ela adverte para não ceder aos impulsos paternais. Se o dinheiro da criança acabou antes do prazo, é importante aguardar até a próxima data da semanada para entregar mais dinheiro.
Junto com a semanada, deve também ser inserido o hábito de poupar para cumprir alguns desejos de consumo. Sabe aquela boneca que sua filha sempre quis comprar? No lugar de dar de presente, ensine a juntar o dinheiro da mesada ou semanada até conseguir o valor para comprar. “Assim, você ensina eles a não comprar por impulso ou fazer dívidas no cartão de crédito”, diz
Nesta etapa, é importante também ter diálogos saudáveis em família sobre o dinheiro e ouvir os sonhos das crianças sem menospreza-los por insignificantes que pareçam. Muitas vezes, o sonho de uma criança pode ser comprar um brinquedo e você precisa respeitar e motivar eles a fazer uma pesquisa de preços, poupar, etc.
Incentive o empreendedorismo
Além de ensinar as crianças a poupar, é importante provocar nelas a vontade de ter uma renda extra. Mas como fazer isso? Andressa adverte apenas para não cometer o erro de pagar por tarefas domésticas que deveriam ser responsabilidade delas, como lavar a louça ou arrumar o quarto.
Contudo, vale pagar apenas quando este tipo de tarefa for delegada a outra pessoa com uma remuneração. Um exemplo claro é: se você gasta toda semana R$ 50 para dar banho no cachorro no petshop, a recomendação é oferecer à criança um valor menor, como R$ 30, para fazer o mesmo serviço.
Outra forma de incentivar o empreendedorismo é auxiliando a criança com o capital inicial para criar uma fonte de renda lúdica. Como aprender a fazer pulseiras, doces e ganhar uma remuneração de amigos e familiares por isso.
Quando começar a investir?
De acordo com a educadora financeira, não existe idade certa para que os pais comecem a investir para o futuro da criança. Isso pode ocorrer até mesmo desde bebês. “Os pais podem abrir conta em uma corretora e criar uma reserva para a criança ou poupar para a faculdade ou futuro dela”, explica.
Contudo, a partir dos 7 anos é importante envolver também a criança neste processo mesmo que olhar para os investimentos seja algo complexo nessa idade. Segundo Andressa, uma dica é introduzir um terceiro cofrinho denominado “poupança para o futuro”.
Assim de todo o dinheiro que a criança juntar, uma pequena parcela vai para este terceiro cofrinho que representa o seu futuro. “Quando este dinheiro chega a uma quantidade considerável, a criança pode observar que o pai/mãe depositou no banco ou na corretora e que o recurso foi aplicado”, afirma.
Ela destaca que é importante tornar esse processo o mais natural possível. “Mostre as ações que compraram para eles, o preço delas, conte de forma simples porque as escolheram assim quando cheguem na fase jovem ou adulta será menos complicado para eles investir”, reforça.
Um tabu a ser derrubado
Embora a educação financeira já tenha sido inserida como matéria transversal na grade curricular das escolas a partir de 2020, Andressa enxerga um longo caminho pela frente. Para ela, o principal desafio é treinar pais e professores para que eles encarem a própria vida financeira e não sintam vergonha do endividamento.
Muitas vezes até os próprios pais deixam de falar de dinheiro com os filhos por vergonha da própria situação financeira. Se você está inadimplente, saiba que é possível falar abertamente da reorganização das contas em casa. Nunca é tarde para recomeçar.
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