A Receita Federal do Brasil emitiu, pela primeira vez, uma série de orientações sobre criptomoedas em 2016, no seu famoso documento de perguntas e respostas sobre o Imposto de Renda (IR), popularmente chamado de “Perguntão”. Naquele ano, o órgão governamental responsável pela administração dos tributos do país determinou que as moedas digitais deveriam ser declaradas pelas pessoas físicas e que os investidores teriam de pagar impostos se tivessem lucro acima de determinada quantia.
De lá para cá, no entanto, a Receita Federal vem publicando novas orientações. A cada ano, o órgão exige um detalhamento mais completo sobre criptoativos, esclarece dúvidas dos investidores e incorpora novos termos em suas recomendações, em um esforço para acompanhar o ritmo acelerado da indústria cripto, marcado pela constante criação de novos tokens, modelos de negócios diferentes e formas variadas de diversificação de renda.
Neste guia, o InvestNews explica com detalhes como funciona a tributação das criptomoedas. Responde quem deve pagar imposto, quais as faixas de isenção, em que casos é preciso informar os criptoativos na declaração de Imposto de Renda, quais são as regras para quem investe em criptos no exterior e como informar corretamente a posse das moedas digitais para não cair na boca do Leão.
O que são criptomoedas, segundo a Receita Federal?
Uma criptomoeda, segundo a Receita Federal, é a “representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal”.
Para fins de tributação, segundo o órgão, criptoativos como Bitcoin (BTC), Ethereum (ETH), stablecoins, entre outros, são considerados “ativos sujeitos a ganho de capital”. Portanto, precisam ser identificadas na declaração anual de imposto de renda como bens, assim como ações, fundos de investimento, aplicações financeiras, contas bancárias, saldos de contas correntes, imóveis, veículos, embarcações e etc.
Essa definição é semelhante ao conceito apresentado no Marco Legal das Criptomoedas, que descreve uma cripto como “a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento”. Além disso, lembra a visão de Satoshi Nakamoto, criador do Bitcoin, que conceituou o ativo como uma forma de dinheiro eletrônico descentralizado para pagamentos online.
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Quais são as obrigações fiscais dos investidores?
Detentores de criptomoedas no Brasil têm obrigações com a Receita Federal. São elas:
- Quem vendeu criptoativos abaixo de R$ 35 mil por mês não paga Imposto de Renda, mas precisa informar o total dos ganhos (se houver) ao longo do ano na ficha “Rendimentos Isentos e não Tributáveis”;
- Já se as vendas mensais passarem de R$ 35 mil e houver lucro, o investidor deverá pagar IR e declarar o lucro na ficha “Ganhos de Capital”;
- Também é necessário informar o órgão sobre as movimentações mensais que superarem R$ 30 mil (essa regra vale apenas para quem opera fora de exchange nacional);
- Comunicar a posse das moedas digitais na declaração de Imposto de Renda enviada todo ano, caso o valor total de cada ativo digital ultrapasse R$ 5 mil.
Ao longo deste material, veja detalhes sobre cada um dos procedimentos citados acima.
O conjunto de regras sobre a declaração de criptoativos e o pagamento de imposto no Brasil está na Instrução Normativa nº 1.888, de 3 de maio de 2019. Em novembro de 2024, no entanto, a Receita Federal abriu uma consulta pública para a criação de uma nova norma para substituir a atual. O objetivo, segundo o órgão, é incorporar na normativa local novas regras e conceitos sobre criptos desenvolvidos pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Quem precisa pagar imposto de criptomoedas?
Investidores devem pagar imposto sobre criptomoedas quando obtêm lucro em negociações que, no total, ultrapassem o limite de R$ 35 mil em um único mês, conforme as regras da Receita Federal. Ou seja, se o investidor negocia e tem lucro, mas o valor final fica em R$ 33 mil, por exemplo, não há necessidade de pagar tributo. Importante lembrar que o lucro é a diferença entre o valor de venda da moeda digital e o custo de aquisição.
Exemplo: o João investiu R$ 100 mil em Bitcoin em dezembro de 2020 e decidiu vender em outubro de 2024. Nesse período, a criptomoeda subiu cerca de 400%. Portanto, o valor inicial se transformou em R$ 400 mil. Nesse caso, o lucro auferido com o investimento foi de R$ 300 mil, e o imposto é cobrado em cima desse ganho, segundo Vinícius Pimenta Seixas Pereira, especialista em direito tributário internacional pela New York University e sócio da Pinheiro Neto Advogados.
“Mas para ocorrer a tributação pelo IR da perspectiva das pessoas físicas, é necessário, em primeiro lugar, que os criptoativos sejam alienados (termo usado para descrever a venda). Na prática, isso significa que a mera oscilação na precificação do criptoativo, sem a realização efetiva de eventual ganho pelo detentor, não configura fato gerador do IR”, diz o especialista.
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Quais são as alíquotas do Imposto de Renda?
Há uma tabela progressiva de imposto para criptomoedas, com alíquotas que variam de 15% a 22,5%, dependendo do rendimento obtido. Vale destacar, no entanto, que essa regra se aplica apenas às moedas digitais negociadas em exchanges nacionais.
Rendimentos | Alíquotas |
Até R$ 5 milhões | 15% |
Entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões | 17,5% |
Entre R$ 10 milhões e R$ 30 milhões | 20% |
Acima de R$ 30 milhões | 22,5% |
Como pagar o Imposto de Renda?
De acordo com a Receita Federal, o recolhimento do imposto sobre o ganho com cripto realizado no Brasil precisa ser feito até o último dia útil do mês seguinte ao da transação. Ou seja, o João que vendeu as criptomoedas em outubro teria até o dia 30 de novembro para arcar com o tributo em cima do lucro de R$ 300 mil, que seria de 15%.
Esse pagamento é feito por meio do Documento de Arrecadação de Receitas Federais (DARF), usado para liquidar tributos federais. A DARF pode ser gerada no Sicalcweb, um sistema online da Receita Federal. O código que precisa ser informado é o 4600, referente a ganhos de capital na alienação de bens.
Se a pessoa por algum motivo cometer um erro e pagar a DARF errada, pode corrigir o pagamento via Redarf, um sistema que permite a retificação. O mesmo vale para impostos pagos em duplicidade, segundo Ana Paula Rabello, contadora especializada em criptomoedas e fundadora do Declarando Bitcoin. “Tudo que você pagou para a Receita Federal pode ser realocado ou retificado. Ou você pode ainda pedir a compensação ou a devolução. O instrumento para pedir compensação ou devolução (no caso do imposto) chama-se PER/DCOMP”.
Qual imposto para quem faz exchanges internacionais?
No caso do lucro com criptomoedas negociadas em exchanges internacionais, segundo Pereira, a regra do imposto muda. “Aplica-se a alíquota de 15% para todos os valores recebidos pela pessoa física residente e domiciliada no Brasil”, disse, conforme a Lei nº 14.754, de 2023, que dispõe sobre a tributação de aplicações no exterior. Nesse caso, não há isenção até os R$ 35 mil. Ou seja, qualquer lucro auferido é tributado.
A contadora Ana Paula Rabello lembrou que o recolhimento do imposto sobre o ganho com cripto realizado no exterior será feito de forma anual na declaração de Imposto de Renda do ano seguinte, sendo a primeira declaração a ser afetada com essa mudança de 2025.
Quem deve informar movimentações acima de R$ 30 mil?
Quem opera em corretora internacional ou outras plataformas sem domicílio no Brasil precisa informar mensalmente à Receita a movimentação de criptomoedas, desde que os valores ultrapassem o limite de R$ 30 mil no mês.
“Se as operações foram feitas em uma exchange nacional, ela já declarou toda a sua movimentação mensal, independentemente do valor”, disse Ana Paula. Corretoras locais são obrigadas a reportar mensalmente ao órgão todas as movimentações envolvendo criptoativos.
De acordo com Ana Paula, essa declaração sobre a movimentação mensal acima de R$ 30 mil precisa ser entregue no portal e-CAC da Receita Federal, no guia “Cobrança e Fiscalização” e “Obrigações Acessórias”. Informações como data da operação, tipo de operação (se foi compra ou venda, por exemplo) e identificação da corretora devem ser informadas.
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Quem precisa declarar criptomoedas?
Além do imposto e do reporte sobre movimentações, outra obrigação do investidor de criptomoedas é informar a posse das moedas digitais na declaração de Imposto de Renda, feita uma única vez por ano.
De acordo com a Receita, no entanto, o investidor de moedas digitais só precisa relatar o valor se a aquisição for igual ou superior a R$ 5 mil para cada tipo de criptomoeda. Ou seja, se a pessoa tem R$ 5,5 mil em Bitcoin e R$ 4,5 em Ethereum, só precisa mencionar o BTC no documento, não o ETH.
É preciso informar o custo total de aquisição das criptomoedas, e não o valor atual de mercado. Exemplo: se o investidor comprou R$ 4 mil em BTC em janeiro, mais R$ 2 mil em julho e outros R$ 2 mil em novembro, o valor a ser ser informado na declaração de Imposto de Renda é R$ 8 mil.
Onde declarar as criptomoedas?
A declaração de Imposto de Renda precisa ser feita diretamente no programa da Receita Federal. Dentro desse sistema, que pode ser baixado no site do órgão federal, o contribuinte deve declarar as moedas digitais na ficha “Bens e Direitos”, no “Grupo 08 – Criptoativos”.
Há códigos para os diferentes tipos de criptomoedas. O do Bitcoin, por exemplo, é “01”; o das altcoins (termo usado para identificar qualquer criptomoeda diferente do BTC) é “02”; e o das stablecoins é “03”. Veja a tabela completa abaixo.
Código | Tipo de Criptomoeda |
01 | Bitcoin |
02 | Altcoins |
03 | Stablecoins |
10 | NFTs (tokens não fungíveis) |
99 | Outros criptoativos – diferentes dos já mencionados |
E se a pessoa não pagar o imposto ou declarar?
A Receita Federal estabelece penalidades para pessoas e empresas que não cumprem as obrigações relacionadas à prestação de informações relativas aos criptoativos, seja por omissão, atraso ou apresentação de dados inexatos, incompletos ou incorretos. As multas variam de acordo com o perfil do declarante e a natureza da infração.
Se o investidor pessoa física enviar as informações fora do prazo, ele está sujeito a uma multa R$ 100. Já para informações inexatas, incompletas, incorretas ou com omissões, a multa corresponde a 1,5% do valor da operação a que se refere a informação omitida, inexata, incorreta ou incompleta, segundo Pereira, da Pinheiro Neto Advogados.
Para a declaração anual do Imposto de Renda, segundo Ana Paula, do Declarando Bitcoin, a penalidade parte de R$ 165,74 e pode atingir até 20% do montante do imposto devido. “Essa multa aumenta em 1% por mês de atraso, calculado sobre o total do imposto devido, mesmo que já tenha sido pago integralmente”.
Em relação ao imposto sobre ganho de capital, o atraso no pagamento resultará em multas e juros. “A chamada multa de mora é equivalente a 0,33% do valor do imposto por dia de atraso, limitada a 20% do montante devido. Esta multa é aplicada quando o contribuinte realiza o pagamento espontaneamente. Além disso, existe a multa de ofício, que é imposta quando o contribuinte é alvo de fiscalização; seu valor pode chegar até 150% do montante devido. Já os juros correspondem à taxa Selic acumulada durante o período de atraso, acrescidos de 1% referente ao mês de pagamento”, explica Ana Paula, do Declarando Bitcoin.
Ana Paula diz ainda que, para o pagamento de impostos após o envio da declaração do ano correspondente, é possível realizar o parcelamento dos débitos em até 60 parcelas, sendo o valor da cota mínima de R$ 100. As parcelas são corrigidas pela taxa Selic. A Receita também costuma criar programas de incentivo à regularização, segundo a especialista, sem o pagamento das multas relativas aos impostos que deveriam ter sido pagos.
Por fim, Pereira destaca que, além das sanções administrativas, a Receita Federal pode encaminhar informações ao MPF (Ministério Público Federal) sempre que identificar indícios de crimes, como lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, para que sejam tomadas as devidas providências legais.