A inflação tem sido uma preocupação para diversas economias e, no Brasil, não é diferente. A diferença é que a situação dos preços por aqui preocupa mais que na maioria dos países. Em 2021, 83% dos países pelo mundo devem ter uma inflação mais baixa que a brasileira.
É o que aponta um levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), baseado em relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI). Segundo o estudo, 159 países de uma lista com 191 devem apresentar uma taxa de inflação menor do que a taxa brasileira em 2021.
Inflação pelo mundo preocupa
Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimentos, explica que o que se vem acompanhando é que o desarranjo inflacionário não é exclusivo do Brasil, pois economias desenvolvidas também estão sofrendo com o avanço de preços por causa da pandemia de covid-19, mas o país tem suas particularidades, que estão penalizando a inflação.
Cristiane Quartaroli, economista do Banco Ouroinvest, diz que o Brasil já tem um histórico de inflação bem conhecido de todos, mas, nesta crise, um conjunto de fatores fez com que o país apresentasse um forte repique inflacionário.
Adicionalmente, segundo a economista, existe uma questão importante que é a inércia inflacionária e que ela é, basicamente, um efeito dominó que acontece quando há um reajuste automático de preços que se baseiam na inflação passada e acaba refletindo na inflação presente e assim por diante.
“É o efeito de bola de neve. É sabido que a inércia inflacionária é bastante elevada justamente por causa do passado com a inflação. Além disso, e não menos importante, estamos vendo uma forte pressão nos preços por causa da retomada da economia pós-vacinação da população”, destaca Quartaroli.
O levantamento
De acordo com levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), baseado na World Economic Outlook, reunião semestral que o Fundo Monetário Internacional (FMI) realiza em abril e outubro de cada ano, em outubro de 2020, 57% (108 países, em 191) dos países teriam uma inflação em 2021 menor do que a taxa brasileira.
Já em abril deste ano, o percentual era de 70% (134 países, em 192). E, na última reunião do FMI, em outubro de 2021, as projeções indicam que 83% (159 países, em 191) dos países do mundo devem apresentar uma taxa de inflação neste ano menor do que a taxa brasileira. Confira o levantamento no gráfico:
4 motivos que fazem a inflação no Brasil ser mais alta
Em outubro, a inflação calculada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerada a inflação oficial do país, alcançou 1,25%. Foi a maior variação para o mês desde 2002. Com o resultado, a inflação no acumulado em 12 meses chegou a 10,67%, resultado mais forte desde janeiro de 2016.
De acordo com o Boletim Focus divulgado em 8 de novembro, para o IPCA, a expectativa do mercado financeiro é que encerre 2021 em 9,33%. A meta de inflação para este ano é de 3,75%.
Confira no gráfico a inflação brasileira mês a mês em 2021:
Segundo economistas ouvidos pelo InvestNews, no Brasil, os principais fatores que têm pesado no aumento de preços são:
Crise hídrica
A falta de chuvas, reservatórios com níveis baixos e maior demanda por energia fizeram o Brasil viver a pior crise hídrica registrada nos últimos 91 anos.
A escassez de água fez com que termelétricas precisassem ser acionadas. A consequência disso é o encarecimento da energia elétrica, que causa um efeito cascata e impacta no aumento de preços na economia.
No mês de agosto, foi anunciada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o governo a bandeira tarifária “escassez hídrica“, que trouxe aumento adicional de 6,78% na tarifa média dos consumidores regulados.
A medida gerou impacto no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo IPCA de junho, por exemplo, que ficou em 0,53%, puxado pela alta da energia elétrica. O maior impacto na inflação naquele mês foi do grupo habitação (1,10%), principalmente, por causa da energia elétrica (1,95%). A conta de luz teve o maior impacto individual no índice do mês, respondendo por 0,09 ponto percentual do IPCA de junho.
Combustíveis
O preço dos combustíveis também foi mais um vilão, impactando outros preços em cadeia que acabou, por exemplo, puxando a inflação brasileira no mês de agosto, que ficou em 0,87%, a maior alta para o mês desde 2000.
Entre os nove grupos e serviços pesquisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) naquele mês, o destaque foi para transportes, com alta de 1,46%, puxado pelos combustíveis.
Segundo dados do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), neste ano até setembro, os preços de revenda subiram, em média, 28% no diesel e 32% na gasolina.
De forma geral, são dois os fatores que impactam os preços praticados pela Petrobras (PETR3, PETR4): dólar e o preço do petróleo.
As medidas de restrição à circulação adotadas em diversos países com a pandemia de convid-19 acabaram derrubando os preços. Porém, o processo de retomada econômica mundial influenciou tanto a demanda quanto a oferta de petróleo. O preço do barril de petróleo Brent, que é referência internacional, voltou aos patamares da cotação que tinha no período pré-pandemia. Em outubro, chegou a atingir a marca de US$ 85, o que não era alcançado desde outubro de 2018.
Dólar
O dólar encarece tudo que tem seu preço definido no mercado internacional, como os combustíveis, por exemplo.
Neste ano, até 9 de novembro, a cotação da moeda norte-americana bateu seu recorde de fechamento no dia 9 de março, a R$ 5,79.
Segundo o Boletim Focus, divulgado pelo Banco Central no último dia 8, o mercado financeiro projeta uma taxa de câmbio em R$ 5,50 para o fim deste ano e de 2022.
Alguns motivos puxam a cotação do dólar para cima aqui no país, como risco fiscal, incertezas com relação à economia brasileira, além da falta de avanço das reformas.
Estes fatores acabam fazendo com que os investidores estrangeiros deixem o Brasil, diminuindo a quantidade de dólares no país, aumentando a taxa de câmbio no mercado interno.
Segundo o Banco Central, em setembro, os estrangeiros retiraram US$ 916 milhões do mercado de ações, fundos de investimento e títulos públicos brasileiros. Foi o primeiro resultado negativo desde março, quando o país passou pela segunda onda da pandemia de covid-19.
Alimentos
O impacto da alta do dólar pode ser observado também no preço dos alimentos. A cotação das commodities agrícolas, por exemplo, é em dólar, o que colabora para a alta dos preços. Em junho, o Brasil bateu recorde de importação de commodities agrícolas, devido à estiagem prolongada, que afetou lavouras.
Ainda como reflexo do avanço do dólar, fica mais vantajoso para produtores venderem para fora do país do que para o mercado interno, o que acaba impactando na redução da oferta e promovendo a subida dos preços.
Vargas aponta ainda o auxílio emergencial como colaborador da alta dos preços de alimentos básicos. Segundo ele, o Brasil foi um dos países que mais gastou em percentual em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) no suporte para transferência de renda. “Estamos pagando o preço agora por isso, está havendo inflação. Quando você coloca dinheiro na mão de quem não tem renda, a pessoa não vai poupar, vai consumir. Então, pressiona os preços dos alimentos”, explica o especialista em economia.
Inflação elevada tem saída?
Desde a adoção do regime de metas para a inflação, em 1999, a inflação tem se situado dentro do intervalo de tolerância na maioria dos anos. Em 5 deles, em 2001, 2002, 2003, 2004 e 2015 o teto da meta foi estourado.
“Se olhar para este histórico de metas, o Banco Central está fazendo um bom trabalho. De um modo geral, vem cumprindo seu mandato que é assegurar a política de preços no Brasil. Mas 2021 será um ano em que não conseguiremos cumprir a meta de inflação. De forma geral, foram mais as circunstâncias do que uma falta de controle que levaram a uma alta da inflação neste ano”, diz Vargas.
Confira o histórico de inflação no Brasil desde o início do regime de metas:
O especialista em economia Joni Vargas destaca que, com a introdução do auxílio emergencial e a desoneração de setores da indústria, a preocupação é: o que era pontual agora pode ser algo estrutural. “Essa é a grande preocupação. Quando se mexe na regra do teto de gastos, se mexe em uma questão estrutural e não mais pontual. Será que vamos precisar pagar mais em termos de juros em função dessa mexida na questão fiscal brasileira? Isso que tem que evitar”, afirma o sócio da Zahl Investimentos.
Vargas defende que uma saída para minimizar os preços dos combustíveis seria congelar a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de forma temporária.
Em relação ao câmbio, para o especialista, não tem muito o que fazer. Ele explica que, com aumento da taxa de juros, existe uma tendência de ter mais dólares entrando no país, pois, em tese, o Brasil fica mais atrativo para investidor estrangeiro e a entrada de dólares pressiona para baixo a inflação.
“Se o investidor estrangeiro vir o Brasil como muito arriscado, cada vez será exigido um prêmio de risco maior. Não sei até que ponto o governo federal está disposto a entrar nisso. É isso que temos que analisar nos próximos 12 meses: se vai entrar mais dólares por causa do aumento da taxa de juros ou se vai sair mais dólares por causa de receios com relação ao nosso cenário fiscal”, avalia.
Já sobre a crise hídrica, Joni Vargas acredita que não tem muito o que fazer no curto prazo, a não ser esperar chover. Já no longo prazo, ele aponta a importância de o país continuar investindo na diversificação da matriz energética brasileira.
Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimentos, considera que, atualmente, a inflação poderia estar em patamar menor, se a atividade econômica não estivesse tão aquecida.
Ela ainda explica que a instabilidade política no país e o risco fiscal geram incertezas que acabam atrapalhando a perspectiva em relação ao cenário inflacionário. “A gente não consegue recuperar a confiança em relação à condução das contas públicas. Isso vai gerar mais desvalorização da taxa de câmbio e piora a perspectiva para o cenário inflacionário”, aponta Abdelmalack.
Inflação x risco para crescimento econômico
Com o avanço da inflação no Brasil, a necessidade de o Banco Central elevar a taxa de juros pode acabar reduzindo investimentos por parte de empresários no país e, consequentemente, impactar o crescimento econômico.
Segundo o Boletim Focus divulgado no último dia 8, o mercado financeiro baixou a previsão de crescimento do PIB deste ano, que passou de 4,94% para 4,93%. Para 2022, a previsão de alta do PIB foi reduzida de 1,20% para 1%.
“A inflação é comprometedora, principalmente para a população mais pobre, que tem poder de compra comprometido. O remédio é amargo, que é elevação de juros. Quando o Banco Central eleva a taxa, é para evitar um comprometimento maior da renda da população. No entanto, sabemos que uma taxa mais elevada não é construtiva para o cenário econômico, pois acaba tendo postergação de decisão de investimentos”, destaca Camila.
A economista explica que, se temos processo inflacionário, a curva de juros começa a mudar sua inclinação e a se deslocar para cima. Com isso, o mercado financeiro passa a precificar taxas de juros maiores e isso influencia nos investimentos e na economia real.
“Adianta, sim, subir os juros, mas tem um limite para sua efetividade. A política monetária sozinha não será efetiva para contornar esse processo inflacionário, pois a gente sabe que grande parte da desancoragem dos preços e expectativas de inflação no futuro está relacionada ao risco fiscal. Enquanto não recuperarmos a confiança na condução do orçamento público vai ser difícil”, afirma Camila.
Vargas reforça que, do ponto de vista social, as classes mais baixas saem perdendo em períodos de alta da inflação, que acabam corroendo o poder de compra das pessoas, além da restrição de investimentos no Brasil.
“Com a taxa de juros mais alta para combater a inflação, empresário pensa mais antes de comprar máquinas e contratar funcionários. Ele faz as contas desse retorno. Se for menor do que a taxa de juros paga pelo banco, ele vai deixar o dinheiro aplicado. Esse é o perigo da inflação mais alta”, destaca.
Perspectivas para a inflação
Cristiane Quartaroli, economista do Banco Ouroinvest, avalia que o cenário é bastante desafiador para o quadro inflacionário no Brasil. “É possível que a gente veja uma melhora no médio prazo após o aperto monetário que o Banco Central já vem fazendo. Caso o dólar continue em patamar elevado, podemos ver pressões mais elevadas nos preços ainda mais para a frente”, considera a economista.
Já Camila Abdelmalack acredita que um cenário mais construtivo para 2022 e 2023 é contornar o processo de alta do dólar, recuperando a confiança na condução da política fiscal brasileira, o que vai contribuir para estancar a desvalorização da taxa de câmbio, consequentemente, colaborando para uma inflação menor nos próximos anos.
“Todo esse processo de elevação da taxa de juros, que pode terminar no 1º trimestre de 2022 no patamar de 11%, vai ter um efeito, sim, na desaceleração do cenário inflacionário. Ano que vem, devemos ter um quadro inflacionário um pouco melhor do que de 2021, mas ainda assim suscetível a bastante incerteza por causa das questões fiscais que batem na taxa de câmbio”, destaca.
Vargas, por sua vez, considera que, a partir do segundo semestre de 2022, já haverá um processo melhor do ponto de vista da inflação, mas não de investimentos, pois, na avaliação dele, os juros vão demorar para cair.
“Devemos encerrar 2022 com a taxa Selic em 11,25% ou 11,5% ao ano. Só em 2023 que os juros devem cair, mas a inflação já deve ceder a partir do ano que vem. Do ponto de vista do consumo das famílias, no segundo semestre de 2022 devemos ter um cenário melhor. Do ponto de vista de investimentos, a partir de 2023, desconsiderando o cenário político com a proximidade de eleição”, conclui o economista.
Leia também
- Com alta da Selic, Brasil tem maior taxa de juros real do mundo; veja ranking
- Mercado já prevê recessão em 2022