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Fusões e aquisições disparam em 2021; quais setores da bolsa podem se dar bem?
Primeiro semestre de 2021 foi o melhor dos últimos 10 anos em operações do tipo, segundo a KPMG.
No primeiro semestre de 2021, o movimento de fusões e aquisições ganhou força. E os números comprovam isso: de acordo com a KPMG, as empresas brasileiras fecharam 804 operações do tipo no primeiro semestre deste ano, um aumento de mais de 55% ante o mesmo período do ano passado. Foi o melhor semestre dos últimos 10 anos. O cenário ganhou destaque também entre empresas listadas na bolsa de valores, com alguns setores que podem sair na frente até o fim do ano.
“Com a retomada gradativa da economia observada no primeiro semestre deste ano, as empresas têm buscado opções aqui no Brasil para poder crescer. Acreditamos também que muitas operações ficaram represadas no ano passado devido ao momento de incertezas e estão sendo concretizadas este ano. Por isso, tivemos um primeiro semestre tão aquecido”, analisa o sócio da KPMG e coordenador da pesquisa, Luís Motta.
O head de renda variável da Valor Investimentos, Romero Oliveira, explica que, antes de começar a pandemia, as empresas estavam com saúde financeira boa, se comparadas à crise de 2014/2015. Segundo ele, grandes companhias estavam fazendo trabalho de redução de dívidas, junto de capitalização de diversas empresas que chegaram na bolsa fazendo IPO, ou até mesmo follow-on, em um cenário de juros mais baixo e liquidez mais alta.
“Apesar de todos os desafios, as empresas estavam bem preparadas, com capitalização feita no ano passado e ao longo de 2021 para expandir suas atividades e focar em crescimento. Alguns setores deixaram seus projetos parados no ano passado, muito dinheiro ficou represado e as empresas estão fazendo esses processos para crescer de forma inorgânica”, diz.
Simone Piasonotto, economista-chefe da Reag Investimentos, diz que, no ano passado, muitas empresas já estavam preparadas para IPOs e fusões e aquisições, mas ficaram em compasso de espera por causa da pandemia.
Segundo ela, este cenário se explica pois, nos anos de 2018 e 2019 começou a ser observado um período de mais amadurecimento do investidor em relação ao mercado de ações, já que os títulos de renda fixa perderam atratividade por causa da taxa juros, dentro de um cenário de mais informação sobre investimentos e educação financeira.
Com isso, de acordo com Piasotto, os investidores passam a ter maior apetite pelo mercado de capitais. E, assim, as empresas começaram a se organizar de forma a pulverizar seu capital no ambiente de bolsa de valores, mas veio a pandemia.
“Tudo ficou um pouco congelado. E agora não tem mais como segurar. A gente vê esse movimento com empresas buscando se capitalizar em um novo cenário de investidor mais maduro e crédito mais caro”, destaca.
Importância das fusões e aquisições
A pesquisa “ABES/BR Angels/Solstic Advisors: percepções sobre fusões e aquisições no atual cenário do mercado brasileiro” mostrou que as operações de fusões e aquisições são vistas como promissoras por 86% de executivos de empresas brasileiras e empreendedores. Deste total, 50,5% desejam realizar alguma transação nos próximos 12 meses.
Já a consultoria Dealogic apontou que, até julho de 2021, foram realizadas US$ 52,1 bilhões em operações de fusões e aquisições no Brasil, superando o valor de todo o ano passado, que foi de US$ 45,9 bilhões.
“O processo de transformação digital exige mais agilidade e produtividade das empresas e as fusões e aquisição são formas de acelerar empresas que estavam mais pacatas e é uma maneira de enfrentar a concorrência. Companhias estão se unindo rapidamente para não aceitarem concorrência de players mais ágeis, como aconteceu no setor de fintechs”, ressalta Piasotto.
Romero Oliveira pontua, no entanto, que nem sempre fusões e aquisição são um bom negócio. Segundo ele, existe, por exemplo, a questão cultural, de a empresa conseguir absorver culturas parecidas sem perder sua eficiência.
“Boas oportunidades existem, mas tem o receio da consequência prática, de como a empresa vai conseguir capturar sinergias para, além de cresce, manter eficiência operacional, os custos controlados e não deixar de ser rentável”, alerta Oliveira.
Juliana Theodózio, sócia e vice-presidente da G5 Partners, diz que para que fusão e aquisição sejam um bom negócio é importante avaliar se a companhia está no momento mais adequado para capturar o melhor valuation, pensando sob a perspectiva da ponta vendedora. Ou, sob a perspectiva da ponta compradora, se as companhias potencialmente alvos de aquisição são alternativas que trariam ganhos relevantes de sinergia ou de market share, por exemplo.
Fusões e aquisições na bolsa: tendência?
Empresas listadas na bolsa de valores também não ficaram de fora. Diversos foram os anúncios neste ano de fusões e aquisições, como a compra da Hering (HGTX3) pelo Grupo Soma; a aquisição do Grupo Big pelo Carrefour Brasil (CRFB3); compra da empresa Santa Amália pela Camil (CAML3); Qualicorp (QUAL3) levando o grupo Elo; Magazine Luiza (MGLU3) fazendo a aquisição da KabuM!, Sodem entre outras; Hapvida (HAPV3) fechando acordo para comprar hospital em Uberlândia; Ser Educacional (SEER3) comprando a Prova Fácil e Banco Inter (BIDI11) adquirindo a fintech americana Usend, além de comprar uma fatia de 50% na IM Designs Desenvolvimento de Software, dentre muitas outras operações.
Oliveira explica que esse movimento é muito comum em momentos de crise. Segundo ele, se tem crise, em via de regra, as empresas maiores conseguem passar de uma maneira mais tranquila, se capitalizar e, em um segundo momento, tentam capturar empresas que não se saíram tão bem durante a crise, ou que não estava bem posicionadas e com dificuldade de retomada.
“O que estamos vendo é justamente isso. As empresas bem capitalizadas, com apetite para crescimento, estão aproveitando esse momento para aumentar participação no mercado em setores que são muito pulverizados’, destaca.
Para o head de renda variável da Valor Investimentos, neste segundo semestre, haverá uma continuidade desses processos de fusões e aquisições, com um período mais agressivo destas operações e de outras para as empresas buscarem capital e reportarem crescimento.
Para o ano que vem, Oliveira acredita que esse movimento pode começar a diminuir, em meio a um cenário mais delicado de juros mais altos e incertezas já pensando em 2023, devido à eleição presidencial.
Já para a economista-chefe da Reag Investimentos, Simone Piasonotto, a tendência de fusões e aquisições continuará em alta devido ao calendário promissor de IPOs programados, acompanhado do cenário atual brasileiro.
“Temos Selic aumentando e crédito mais caro. Empresas que passaram a pandemia mais endividada, precisam trocar dívidas mais cara por mais barata, ganhar produtividade para ganhar a concorrência. O IPO permite elas se capitalizarem, e, com isso, elas têm mais força para fazer fusões e aquisições. Uma coisa aquece outra”, diz.
Theodózio diz que a economia apresenta janelas de oportunidade que são momentos em que há uma confluência de fatores, como maior apetite dos investidores nacionais e estrangeiros, taxas de juros baixas e perspectiva otimista em relação ao cenário macroeconômico. Segundo ela, durante estas janelas de oportunidade, as empresas de capital aberto aproveitam para captar mais recursos por meio de follow-on, aquecendo a atividade de fusão e aquisição.
Ela ainda explica que, através de uma aquisição, a empresa compradora consegue acelerar seu crescimento, seja por entrada em novos mercados e produtos, seja por sinergias operacionais. “De modo geral, a aquisição pode “cortar” algumas etapas do cronograma de expansão da companhia”, destaca.
Setores da bolsa mais promissores
Em meio ao boom de fusões e aquisições anunciados neste primeiro semestre, e com perspectivas deste cenário se manter contínuo até o fim do ano, para os especialistas ouvidos pelo InvestNews, alguns setores podem se destacar.
Para Romero Oliveira, o setor de varejo pode ser um deles, já que são empresas que têm crescimento não só no seu setor de atuação, mas que estão indo também para outras áreas, diversificando seu portfólio de serviços e produto.
Outro setor de destaque na avaliação de Oliveira é o de saúde. Para ele, está acontecendo um movimento clássico de consolidação e ainda tem espaço para continuar. Ele avalia o setor de educação também como promissor para fusões e aquisições ainda em 2021, pois esse movimento já vem sendo observado nos últimos anos e a expectativa é que continue.
Já para Piasonotto, o setor de agronegócio deve se destacar com fusões e aquisições até o final de 2021. Segundo ela, as empresas deste segmento estão buscando ampliar espectros de atuação em setores diferentes, não ficando dependendo só de um nicho do agronegócio. Com isso, as companhias fazem diversificação para diminuir risco, ficando menos vulnerável e não restrita a um único produto ou cadeia produtiva.
Outro setor que pode se beneficiar na avaliação dela é o de tecnologia. Para Piasonotto, a tecnologia da informação é a que tem propulsionado esse movimento de fusões e aquisições.
Fusões e aquisições x acionista
Quem é acionista de empresa já está habituado a acompanhar oscilações mais fortes das ações em dias em que são anunciadas esses tipos de transações.
Segundo Oliveira, o acionista minoritário que está apostando e investindo em determinada empresa, está ciente que é uma companhia que está buscando crescimento. Então é esperado que ela possa fazer esse tipo de movimento de fusões e aquisições. Apesar disso, ele alerta que é importante o acionista saber dos riscos que esses processos podem trazer para a performance da própria empresa.
“É importante entender como foi a permanece dela numa aquisição do passado, se foi bem feita, se capturou sinergia, como o negócio foi absorvido. Se foi positivo, pode ser um bom indicativo que esses novos movimentos podem fazer sentido com novos negócios”, recomenda.
Simone também aponta que uma fusão bem-sucedida resulta em ganho mais robusto, que, consequentemente, resulta em dividendos e valorização da empresa, se for uma operação de sucesso.
“Os investidores correm para comprar uma ação porque eles têm expectativas. Na grande maioria, o resultado dessas operações é positivo, são bem-sucedidas e a gente observa esse movimento de investidores. Eles têm que se pautar na transparência e solidez corporativa da empresa”, explica.
Fusões e aquisições fora da bolsa
Além das empresas de capital aberto, as fusões e aquisições também ganharam força fora da bolsa de valores.
Ainda de acordo com levantamento da KPMG, as companhias de internet foram as que mais fizeram operações de fusões e aquisições no primeiro semestre de 2021, seguidas das as empresas de tecnologia da informação e instituições financeiras.
Com a chegada de infraestrutura bancária digital, inovações de reguladores, o modelo de “fintech as a service” acabou trazendo uma diminuição das barreiras de entradas de novos players. Com isso, favorece uma competição cada vez maior no setor, com mais oferta de crédito e, ao mesmo tempo, de clientes.
Cenário esse que, segundo Simone, acaba estimulando as fusões e aquisições. Ela explica que são empresas que estão mais expostas à concorrência e que a melhor forma de conter a concorrência agressiva é “coloca para dentro de casa”.
“A aceleração digital tem pautado fusão e aquisição nos últimos 4 anos. Elas são uma forma de enfrentar a concorrência dentro do cenário de avanço da tecnologia das informações”, afirma.
Segundo dados do Inside Venture Capital Report, relatório mensal produzido pela plataforma de inovação aberta Distrito, com mais de 26 fusões ou aquisições de startups realizadas em agosto, o ano já acumula 160 acordos dessa natureza. E o setor constituído pelas fintechs é o que mais tem chamado atenção das empresas: foram 22 delas adquiridas até agora.
Tendência esta que pode ser vista, por exemplo, com o Nubank, que, além de comprar a corretora Easynvest no ano passado, anunciou recentemente a aquisição da plataforma americana Juntos Global e da plataforma de pagamentos instantâneos Spin Pay.