O resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre veio levemente abaixo do esperado. Mas entre o que os números trouxeram de mais importante estão as pistas sobre o que deve acontecer com a economia brasileira nos próximos meses. E, de acordo com especialistas ouvidos pelo InvestNews, o cenário que se desenha para o futuro próximo parece estar ainda mais desafiador.
Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o PIB do 3º trimestre de 2021 caiu 0,1% contra os três meses anteriores, colocando o Brasil na chamada recessão técnica.
O resultado foi puxado pela queda de 8% da agropecuária, enquanto os serviços subiram 1,1% e a indústria ficou estável. Do lado da demanda, a principal contribuição positiva veio da alta de 0,9% no consumo das famílias, enquanto o consumo do governo subiu 0,8%. Investimentos, importações e exportações caíram 0,1%, 8,3% e 9,8%, respectivamente.
“A leitura preliminar dos dados confirma a hipótese de ‘raiz quadrada’ que venho argumentando há algum tempo. Após uma recuperação forte, a economia não encontra sustentação, anda de lado, e até cai”, comentou André Perfeito, economista-chefe da Necton.
No entanto, a questão principal é sobre as sinalizações que os números trazem para os próximos meses. “Devemos revisar nossa projeção para 2021 para baixo. Atualmente projetamos alta de 4,8%, mas dado que já há evidências que o 4º trimestre deve permanecer frágil com alta dos juros e resultados não muito animadores do comércio, provavelmente o PIB estará mais próximo de 4,3%”, afirma Perfeito.
O economista, por outro lado, manteve as projeções para 2022, quando espera um crescimento baixo, de 0,3%.
Em uma linha diferente, Bruno Komura, analista da Ouro Preto Investimentos, diz que os números divulgados agora pelo IBGE devem levar sim a uma piora das expectativas para o ano que vem. “O PIB veio levemente abaixo das expectativas. Nós devemos ver revisões para baixo para o ano de 2022. Os fatores do exterior devem impactar negativamente”, afirma.
Komura cita as preocupações com a ômicron, nova variante do coronavírus, além das indicações de uma alta de juros nos Estados Unidos mais rápida do que se esperava – o que deve desvalorizar a moeda brasileira, o real, em relação ao dólar. “Do lado local, o agro que foi detrator deve melhorar, mas o consumo deve ser adversamente impactado pela compressão de renda”, diz ele.
Alexsandro Nishimura, economista, head de conteúdo e sócio da BRA, comenta que o resultado do PIB é “um olhar pelo retrovisor, mas que ajuda a entender o que vem pela frente, escancara a fraqueza da economia brasileira e tende a reforçar as projeções cada vez menores de avanço para este ano e de 2022, quando as projeções já eram de baixo crescimento e podem piorar.”
Victor Beyruti, economista da Guide Investimentos, também diz que “olhando para frente, a gente tem alguns indicativos negativos”. Ele cita “todo esse cenário de inflação elevada pressionando os gastos das famílias”, somado às incertezas políticas com a proximidade das eleições e as incertezas sobre a variante ômicron.
Todos menos confiantes?
Entre os indicadores que dão pistas de que o cenário deve ser difícil nos próximos meses, Beyruti destaca os índices de confiança na economia. “A gente vê alguns indicadores antecedentes, como índices de confiança da classe produtiva, uma espécie de termômetro para a atividade, a confiança do consumidor, entre outros indicadores de sentimentos, todos apontando para algum arrefecimento da atividade entrando no quarto trimestre de 2021 – trimestre em que a gente já vê perdendo um pouco a força o movimento da reabertura, o impulso.”
Gustavo Cruz, economista e estrategista da RB Investimentos, também comenta que a queda dos índices de confiança é um termômetro importante do que deve acontecer com a economia em 2022.
“A confiança do consumidor e dos empresários está em queda neste final de 2021, mesmo que se pense que deu uma avançada no segundo semestre como um todo. Mas ainda acho que, se você pensar que uma empresa vai olhar para esse indicador e pensar ‘como eu planejo 2022?’, não está com uma cara tão boa”, diz Cruz.
O fator inflação x Selic
O consumo das famílias é um dos principais pesos na composição do PIB. Por isso, a alta da inflação tem sido uma das preocupações quando se fala no PIB de 2022. “As expectativas para os próximos resultados do PIB vão ficar muito condicionadas ao comportamento da inflação que a gente for ver daqui para frente”, afirma Pedro Secchin, sócio da Golden Investimentos.
O avanço da inflação levou a uma aceleração da elevação da taxa Selic pelo Banco Central. Com juros mais altos, o efeito esperado é um esfriamento da demanda e, consequentemente, um alívio dos preços. O resultado, no entanto, demora vários meses para ser sentido na economia e também pode impactar negativamente o PIB.
Beyruti, da Guide, afirma que “o impacto de uma política monetária apertada, com juros de 2 dígitos”, deve começar a mostrar seu efeito sobre a atividade econômica “a partir de meados do ano que vem”.
“O impacto da alta da Selic, principalmente após a aceleração dessa taxa, deve impactar a economia ainda mais nos próximos trimestres”, concorda João Beck, economista e sócio da BRA, afirmando ainda que “o aumento da taxa Selic não tem efeito imediato, é algo que se observa na atividade após um semestre”.
“Analisando o contexto, contratamos uma recessão com elevação aguda da taxa de juros para convergência da inflação para a meta”, diz o economista.
Estamos ‘pagando a conta’ da pandemia?
Beck explica que as medidas de estímulo à economia durante a pandemia, como o pagamento do Auxílio Emergencial e a manutenção da Selic na mínima histórica de 2% por vários meses, livraram o Brasil de uma recessão pior do que a queda de 4,1% do PIB vista em 2020.
No entanto, a queda “evitada” no ano passado parece estar cobrando seu preço agora, segundo o economista.
“A recessão do ano passado seria muito pior, não fosse o pacote de estímulos dado às populações mais necessitadas. Parte desse gap do ano anterior (diferença da recessão potencial e da observada) está sendo incorporado na conta do PIB corrente. Ou seja, ainda não acabamos de pagar os estragos da pandemia.”