Em meio às projeções de queda da taxa Selic em breve, fazendo com que investimentos em renda variável possam se tornar mais atrativos no curto e médio prazo, o desempenho da economia brasileira pode não sustentar as perspectivas de alta da bolsa de valores do Brasil por mais tempo. É o que apontam especialistas consultados pelo InvestNews.
O avanço do arcabouço fiscal no Congresso e a expectativa de início do ciclo de corte de juros no Brasil estão entre alguns dos fatores de melhora da percepção de risco e otimismo recentemente. Este cenário tem impulsionado a alta do Ibovespa e trazido revisões para cima das projeções para o indicador, que chegou a retomar em junho o patamar dos 120 mil pontos, com perspectivas de manutenção de alta no curto prazo.
Já na seara macroeconômica brasileira, dados recentes, como do Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre, da produção industrial e do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), por exemplo, surpreenderam positivamente as expectativas do mercado.
Mas, embora o momento seja de otimismo com a bolsa e os dados econômicos estejam acima das projeções, especialistas avaliam que há certo descompasso no crescimento brasileiro, o que, no médio prazo, pode impactar o desempenho de empresas de capital aberto, suas ações e, consequentemente, a alta da bolsa de valores.
Bruce Barbosa, sócio e analista de ações da Nord, acredita ser bastante improvável que o Brasil tenha um desempenho econômico muito forte nos próximos meses ou anos, pois a política econômica, segundo ele, ainda não é a melhor.
“Pensando no longo prazo, a gente imagina ainda juros alto, (embora) menos do que está hoje, uma economia ainda fraca e juro real bastante elevado. O mercado precifica uma certa recuperação, talvez por conta dos juros. A despesa financeira das empresas caem, o lucro delas melhora um pouco, mas não vai ser nenhuma ‘porrada’ de longo prazo, não”
Bruce Barbosa, sócio e analista de ações da Nord
Na mesma linha, Gabriel Costa, analista da Toro Investimentos, explica que, caso não haja avanços duradouros da economia, o valuation das empresas pode ser impactado e se refletir na bolsa de valores.
“Em um cenário em que a economia brasileira não tracione e as empresas sejam impactadas, poderemos ver impactos nos preços das ações, mas também nos lucros, mantendo este indicador abaixo da média”, ressalta Costa.
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Crescimento econômico do Brasil
O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, afirmou no início deste mês que o governo vai elevar a projeção de crescimento do PIB de 2023 de 2,5% para 3%.
A perspectiva de alta do PIB também tem sido revisada pelo mercado financeiro. Segundo o Boletim Focus de 3 de julho, a estimativa de crescimento este ano melhorou em 0,01 ponto percentual, a 2,19%, na oitava melhora seguida da previsão para o indicador, enquanto para 2024 subiu pela segunda semana seguida, de 1,22% para 1,28%.
No mês de junho, foi PIB do Brasil referente ao primeiro trimestre de 2023, que avançou 1,9% na comparação com os três meses anteriores, de acordo com informações do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) – acima das expectativas.
O crescimento da economia brasileira foi puxado pela disparada de 21,6% da agropecuária. Depois disso, a maior alta foi do setor de serviços, com avanço de 0,6%.
Costa diz que é possível afirmar que há um certo descompasso no crescimento brasileiro, à medida que o agronegócio é o único setor que cresce a taxas estruturalmente altas.
“Nos últimos anos, o desenvolvimento de tecnologias no campo e estímulos ao setor colocaram o agro brasileiro como potência de crescimento, o que fez com que o segmento ganhasse cada vez mais relevância no crescimento do país. A divulgação do PIB do primeiro trimestre de 2023 refletiu safras recordes no campo, mas ao longo dos próximos trimestres podemos observar crescimentos menores afetados pela sazonalidade”.
gabriel costa, da toro investimentos.
Paulo Feldmann, professor da FIA Business School, defende que, embora exista um claro descompasso no crescimento da economia brasileira, o problema mais grave é que o setor mais importante de todos os países desenvolvidos do mundo, o industrial, no Brasil é muito fraco e vem sofrendo uma queda muito grande há 30 anos.
“É muito difícil o país se tornar desenvolvido sem ter uma indústria forte. Esse é o grande problema brasileiro neste momento. É necessário promover mudanças estruturais. Na medida em que isso acontecer, o Brasil pode voltar a crescer”, defende Feldmann.
Para Barbosa, o crescimento econômico do Brasil é baixo por vários motivos, com destaque para a taxa de juros alta. O analista cita que o governo gasta demais, quer continuar gastando muito e, com isso, a inflação e os juros sobem.
“Eu diria que a economia brasileira continuará em ‘voo de galinha’ pelos próximos anos, pois a política econômica não fecha a conta”
Bruce Barbosa, sócio e analista de ações da Nord
Por outro lado, Paulo Luives, economista da Valor Investimentos, diz não acreditar nesse descompasso do crescimento da economia do Brasil, pois o agronegócio vem sendo carro-chefe da economia, crescendo independente do momento do Brasil.
“É mais um setor que temos vantagem competitiva estrutural, que é nossa área para agricultura, clima favorável, do que, efetivamente, descompasso do crescimento econômico”, avalia Luives.
Desempenho da bolsa impactado?
Com as perspectivas de queda da taxa Selic em breve, de forma geral, o interesse de investidores para ativos de risco começa a voltar. Esse movimento tem elevado perspectivas, por exemplo, para o desempenho do Ibovespa, que chegou aos 120 mil pontos em junho, patamar que não era alcançado desde abril de 2022. Veja:
O Santander projeta o Ibovespa em 140 mil pontos em meados do próximo ano, avaliando que a bolsa brasileira pode estar nos estágios iniciais de um “bull market” cíclico que pode durar até 18 meses.
Já a Guide Investimentos projeta que o Ibovespa pode chegar aos 140 mil pontos ainda neste ano, avaliando que a relação preço/lucro do indicador melhorou marginalmente nos últimos meses, mas ainda está muito abaixo da média histórica. A Guide diz acreditar que, com o início do corte de juros, esta relação deve continuar aumentando nos próximos meses, contribuindo para mais valorização do Ibovespa.
Costa explica que, em geral, o desenvolvimento da economia contribui para o avanço das empresas, mas que há variáveis micro que também influenciam, como a estrutura operacional das companhias.
“Ou seja, caso um ‘voo de galinha’ se concretize e a médio prazo a economia brasileira não evolua, é possível que o ambiente para as empresas se torne mais desafiador”.
gabriel costa, da toro investimentos.
Já Barbosa avalia que a bolsa de valores brasileira ficou pessimista demais com a alta de juros e com a eleição de um candidato de partido da esquerda, e que o movimento do Ibovespa é apenas de recuperação.
“Pensaram que o país poderia ir no caminho da Dilma. O arcabouço veio, o mercado ficou mais otimista e, agora, a bolsa está se recuperando, mas é só um ajuste de preço. Não tem crescimento econômico, não tem crescimento forte de resultado das empresas embutidos nesse preço ainda”, aponta Barbosa.
Já Luan Alves, analista-chefe da VG Research, diz entender que as expectativas atuais de um crescimento de PIB em torno de 2% ao ano é um ritmo baixo, considerando que o Brasil é um país ainda emergente, mas ele estima avanço da bolsa.
“Nossa expectativa é por uma continuidade da alta na bolsa de valores, uma vez que estamos entrando em um ciclo positivo de redução de juros, melhora do quadro inflacionário e crescimento econômico”.
Luan alves, da vg research.
Victor Inoue, head de produtos na WIT Invest, afirma que o grande tema do mercado hoje é corte de juros, e que a bolsa de valores se encontra historicamente descontada quando se olha para múltiplos como preço/lucro. Assim, Inoue considera qu, uma simples dinâmica de retorno à média seria positiva para o Ibovespa no médio prazo. Além disso, ele também pontua que se pode esperar melhora de margens das empresas pela queda da despesa financeira devido à taxa Selic mais baixa.
Luives alerta, no entanto, que o que vai definir se as empresas da bolsa, o Ibovespa e ativos de risco vão continuar performando bem é se o cenário macroeconômico vai seguir benigno para os próximos meses.
“Temos toda uma conjuntura que se mostra positiva. O que seria um risco para esse cenário se reverter: inflação voltar a demonstrar sinais de resiliência. Vai depender da expectativa de inflação seguir caindo, qual vai ser a postura do Banco Central nesse ciclo de corte de juros, definição da reforma tributária, como vai ser a execução do arcabouço fiscal, além de fatores externos”, diz o economista da Valor Investimentos.
Ações baratas por mais tempo?
Bruce Barbosa avalia que as ações brasileiras continuam bastante baratas, mas acredita que o mercado não está considerando muito crescimento econômico para frente e que o movimento pode depender mais da empresa em si.
“Tem algumas que vencem mesmo em mercado ruins, como exportadoras ou com um negócio muito bom, com crescimento que depende mais dela do que do resto do mercado, mas elas são mais raras na bolsa”, lembra Barbosa.
Feldmann também avalia que não se pode esperar um crescimento expressivo no valor das ações das empresas brasileiras no médio prazo, pois as medidas que precisam ser feitas por parte do governo são difíceis e demoradas.
Para o professor da FIA Business School, pode-se esperar que o Brasil se torne muito importante para o cenário mundial se uma série de medidas forem tomadas de uma forma adequada, que ajudarão no crescimento do país, como olhar para setores como indústria, energia elétrica e até para o Mercosul.
“Isso, com certeza, vai impactar o valor das ações brasileiras. Esperamos que aconteça no longo prazo”, diz o professor.
Hora de aumentar exposição em ativos de risco?
Alves considera que é a hora de o investidor aumentar a exposição em ativos de renda variável. Segundo o analista-chefe da VG Research, o custo de oportunidade da renda fixa ainda é alto, mas está para se reduzir.
“Esse cenário de redução de 500 pontos base na taxa básica de juros vai produzir uma forte alavancagem financeira para as empresas da bolsa. Por isso, é momento de aumentar a posição em renda variável”.
LUAN ALVES, DA VG RESEARCH.
Barbosa recomenda que, para quem tem “cabeça de bolsa de valores”, vale a pena aumentar a exposição em ativos de mais risco. Já para o investidor que se assustou no começo do ano com o desempenho da bolsa, o analista de ações da Nord não indica essa estratégia agora.
“Vai ter muita empresa que vai ter dificuldade, pois o crescimento econômico continuará pífio, pois com o governo gastando demais e tentando aumentar imposto vai prejudicar bem o crescimento econômico pensando a longo prazo”, afirma o analista da Nord.
Mesmo com a bolsa de valores subindo, Barbosa faz um alerta para aumento de exposição.
“A gente tem o arcabouço, mas ele ainda vai ser seguido? O governo vai deixar os juros caírem até 9%? Será que lá na frente, na troca do presidente do Banco Central, eles vão colocar um ‘novo Tombini’, que vai baixar juros na marra mesmo com inflação subindo e aí teremos alta forte do dólar? Tem muitas variáveis que a gente precisa entender antes de pensar a longo prazo na bolsa, que é investimento de longo prazo”, destaca Barbosa.
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